Segunda parte da entrevista concedida pela ministra Dilma Rousseff ao repórter Jonathan Wheatley, do diário britânico Financial Times, publicada no dia 7 de setembro de 2009:
FT: Estive lendo a lei que você mandou para o Congresso e há um parágrafo dizendo que a União, através de um fundo criado por lei, pode participar em investimentos e atividades de produção. Que fundo é esse e como vai funcionar?
DR: Você tem familiaridade com o mecanismo norueguês?
FT: Sim.
DR: Quando eles ainda tinham grandes reservas, a Statoil era obrigada a ficar com 50%. Em alguns casos a União pôs dinheiro, em outros não. Em nosso modelo, em princípio, não adiantamos qualquer dinheiro. Mas, caso a caso, se decidirmos participar, poderemos. É assim que funciona. Deixe-me explicar o fundo. Todo o dinheiro que extrairmos do pré-sal irá para um fundo. Esse fundo vai gastar sua renda em várias atividades. Lutar contra a pobreza, investir em educação, ciência e tecnologia. Mas ao mesmo tempo também vai investir.
FT: Então é o mesmo fundo.
DR: Esse mesmo fundo precisa criar renda, tem que fazer seu dinheiro funcionar. Então pode investir em ações, em vários bônus internacionais, você pode fazer investimentos diretos. E quando esse fundo atingir um grande volume, pode ser que o investimento mais atrativo no Brasil seja no setor do petróleo. Por que não? Assim, em princípio, a União não coloca qualquer dinheiro, mas no futuro, se quiser, poderá.
FT: E [a União] coloca dinheiro via Petro-Sal, via Petrobras?
DR: Não, coloca diretamente, é um fundo que investe no consórcio. Suponha que a União tenha uma parcela de 60% em um consórcio. Coloca o dinheiro nele. O fundo se junta ao consórcio [de exploração].
FT: Existe outra dúvida sobre essa comparação com o modelo norueguês, onde...
DR: Não, é diferente.
FT: Não, exatamente, é diferente. Na Noruega há sempre uma forte separação entre o governo, o regulador e a StatoilHydro. Aqui o governo está capitalizando a Petrobras e pode entrar como investidor, assim está entrando dos dois lados...
DR: Desculpe-me, mas não penso que seja esta a diferença. Na Noruega eles não fazem leilões. Lá, os critérios para escolher as parcerias são mais subjetivos. Quem faz as escolhas é o ministério, não é uma questão, vamos dizer, na qual não há subjetividade. Porque para nós, o ganhador é aquele que oferece a maior parcela [de petróleo ao governo]. Na Noruega, não. Não há oferta, nem leilão.
Essa é uma diferença substancial. A segunda diferença é que na Noruega as reservas estão em declínio, então não se pode comparar conosco porque estamos em uma fase de reservas crescentes. O Mar do Norte não pode mais ser comparado ao pré-sal. Mas na Noruega, a Statoil tinha garantia de 50% [de participação mínima]. Estamos dando 30% [para a Petrobras] do investimento e menos do lucro. Na Noruega a Statoil tinha 50% do investimento. Há várias outras diferenças que eu poderia listar.
FT: E o que está acontecendo com a ANP [Agência Nacional de Petróleo]?
DR: A ANP tem um papel central.
FT: Mas há algumas funções que a nova lei dá ao CNPE [Conselho Nacional de Política Energética], que eram da ANP. A escolha dos blocos...
DR: Não, não. Nunca demos isso à ANP. Por exemplo, quando o pré-sal foi tirado da última rodada de leilões, foi decisão do CNPE.
FT: O gerenciamento dos leilões...
DR: Não. Olhe. Qual é o papel da ANP? Quem faz os leilões? A ANP. O processo de leilões é gerenciado pela ANP e a ANP faz os contratos. Os contratos são assinados pelo ministério das Minas e Energia, porque são assinados em nome da União. Como funciona esse modelo? É um sistema de controles. A Petro-Sal, que representa a União no gerenciamento dos blocos, entra no consórcio em nome da União para supervisionar o custo do petróleo e as decisões de investimento. Porque o custo do petróleo é uma variável estratégica. Certo?
FT: Certo.
DR: E dentro do consórcio, no comitê de operações, um plano de operações é aprovado. Então a ANP tem de aprovar esse plano assim como aprovou antes. A ANP olha para a Petro-Sal como qualquer outro agente. Então há um sistema de controle porque a Petro-Sal faz uma coisa, mas a ANP está sobre ela como reguladora. Ok? Então, é uma pergunta muito boa porque poderia parecer que estamos acabando com o papel da ANP, mas é o contrário. De outra parte, a taxa de produção não é decidida pela ANP. A ANP não faz política. Regulamenta. Os interesses da União são definidos pelo CNPE, que é um órgão ligado à Presidência da República. O CNPE define qual a taxa de produção de petróleo e a quantidade de conteúdo local que queremos na oferta de bens e serviços. E esse não é o papel da ANP porque é um papel político.
FT: Entendido. Agora, explique a capitalização da Petrobras, que é algo que não entendo. A Petrobras será capaz de vender esses direitos de exploração por um certo preço e quanto mais alto o preço, mas dinheiro o governo coloca na Petrobras, correto? E o que acontece com os acionistas minoritários? Se o preço é alto, eles tem de pagar um preço maior como acionistas e também pagar para participar da capitalização ou serão diluídos?
DR: Deixe-me explicar. Há vários estágios separados. Por isso é uma boa pergunta. Primeiro, nós autorizamos a transferência de 5 bilhões de óleo-equivalente à Petrobras, e para fazer essa transferência faremos um contrayo pelo qual a Petrobras vai nos pagar por 5 bilhões de barris, ok? E nós vamos usar esse dinheiro para capitalizar a Petrobras, ok? São duas operações paralelas. Explico como. O que faremos? Vamos contratar um avaliador independente para definir o preço do barril. Aquele preço será certificado pela ANP. Então, a Petrobras e o governo terão até 24 meses -- a primeira avaliação é mais simples -- a Petrobras e o governo terão 24 meses para contratar uma avaliação definitiva.
FT: Ok...
DR: Se a avaliação definitiva for maior que a primeira, a Petrobras vai pagar à União. Se for menor, a União pagará à Petrobras. Nós sabemos que o preço do petróleo sob o solo é uma coisa, e o preço do petróleo sobre o solo é outro. Por que esses dois estágios? Porque descontaremos aqui, no segundo estágio, os custos operacionais. De qualquer forma, quando você aumenta o capital da companhia, os acionistas minoritários tem o direito, já que a Petrobras é uma companhia pública, de exercer sua opção completa ou em parte proporcional às suas ações. Isso é lei corporativa em todo o mundo. Em todo aumento de capital, os acionistas minoritários tem de ser chamados para participar. Ou eles pagam mais ou são diluídos. Isso em qualquer hipótese, seja feito com petróleo ou dinheiro ou papéis do governo.
FT: Então a Petrobras e o governo vão decidir juntos...
DR: Não, não, vamos contratar uma avaliação independente e a ANP vai certificar o contrato. Quando a ANP certificar, a operação com a Petrobras estará completa. A Petrobras usará papéis do governo, ou dinheiro, pode pagar do jeito que quiser e nós, quando recebermos, vamos entregar de volta à Petrobras.
FT: Assim os acionistas minoritários...
DR: Eles terão de ser chamados, isso é uma obrigação ou você estaria violando os direitos deles.
FT: E quanto mais alto o preço, mais os minoritários serão chamados a pagar...
DR: É a vida, não é? Quanto mais dinheiro a gente colocar, mais os minoritários serão chamados a contribuir. E quanto menos colocarmos, menos eles serão convidados a contribuir.
FT: Qual é a lógica da União capitalizar a Petrobras como um operador, aumentar sua capacidade de operar, em vez de ter o novo fundo [da União] colocando dinheiro para reduzir os custos de operação?
DR: Boa pergunta. Primeiro, o fundo não tem dinheiro.
FT: Mas o governo tem...
DR: No futuro. Segundo, Petro-Sal idem, não tem qualquer dinheiro. O governo tem, mas não o suficiente para capitalizar a Petrobras daquela forma. E é altamente vantajoso para a Petrobas ser paga em barris, é muito melhor para o governo capitalizar em barris. Não há desvantagem para a Petrobras.
FT: Mas a questão é sobre a relação entre uma companhia que é basicamente estatal mas tem a maior parte de seu capital nas mãos de minoritários...
DR: Naturalmente, se fosse uma empresa privada, se estivessemos colocando 5 bilhões de barris nas mãos de uma companhia privada, a empresa gostaria muito. Então não estamos danificando os direitos da Petrobras, nem dos minoritários.
FT: Mas eu quero entender a lógica. O governo vai colocar dinheiro para reduzir os custos de produção e poderia colocar via Petro-Sal para reduzir o custo de todos os operadores, da Petrobras e do resto.
DR: Mas não temos dinheiro algum na Petro-Sal. Não queremos transformar a Petro-Sal em uma companhia operadora.
FT: Ok, quero dizer ou através do fundo ou diretamente, já que vocês estão colocando dinheiro público na Petrobras...
DR: Por que colocaríamos dinheiro público?
FT: Para reduzir os custos de produção e conseguir tirar o petróleo mais rapidamente.
DR: Só se dessemos dinheiro subsidiado. Para que? Porque pegariamos dinheiro do Brasil e daríamos fundos subsidiados à Petrobras ou qualquer outra companhia de petróleo, brasileira ou não?
FT: Pela forma que você descreveu, o fundo pode participar como um investidor.
DR: Mas nós não vamos subsidiar nada.
FT: Não, não quero dizer como subsídio, quero dizer como forma de reduzir os custos para os operadores.
DR: Mas, olhe, isso vai acontecer em diferentes estágios. No primeiro estágio, não há dinheiro no fundo [da União]. E não vamos dar qualquer dinheiro para a Petrobras. Vamos dar fundos em forma de barris de petróleo. A Petrobras pode converter isso em dinheiro. Nós não podemos, mas a Petrobras pode, é uma companhia de petróleo. E vou te dizer, acho que isso é muito criativo.
Estou pegando riqueza que existe, que todo mundo sabe que está lá, estou pegando essa riqueza e capitalizando a Petrobras. Estou fazendo um contrato para transferir direitos à Petrobras. E a Petrobras precisa me pagar. A que preço? A um preço relacionado aos lucros dessa produção de 5 bilhões de barris.
Vou contratar uma avaliação e direi, olhe, o preço do barril lá embaixo do oceano é uma coisa, vou pagar um certo valor, vamos dizer 1. Então vou te pagar 1. Assim o preço é certificado. Pelo nosso conhecimento atual, é 1. Isso vai ajudar a Petrobras a levantar financiamento, melhorar sua posição internacional, o balanço da empresa será melhor, quando os bancos olharem em suas contas vão dizer, ah, eles estão bem melhores. Tudo bem.
Baseado nisso eu furo vários poços, um aqui, um lá, um acolá e digo, ah, eu tenho 5 bilhões de barris aqui. Minha análise sísmica diz isso, meu estudo de exploração diz isso, eu tenho todo o conhecimento sobre o campo, e o valor não é 1. É 12. Ok?
Assim meu contrato com essa cláusula sobre o reajuste vai para 12. Então não são 5 bilhões de barris, são 5 bilhões vezes isso e a Petrobras me deve X. Ela faz uma chamada de capital e me paga com ações. Eu chamo os acionistas minoritários e eles colocam dinheiro. Ótimo para mim, porque o dinheiro entrou, é renda primária, excelente.
Se os acionistas minoritários não vierem eu tenho ações da Petrobras que valem X no mercado internacional. Se os acionistas minoritários não vierem, naturalmente que as ações deles serão diluídas. É assim em qualquer lugar do mundo. Agora, tem uma coisa que eu não respondi.
Por que não fazemos isso com dinheiro? Porque, como eu vinha dizendo, no estágio um do processo de capitalização: os investimentos são sempre feitos primeiro. Leva anos até chegar ao ponto de tirar o petróleo. Assim, no começo não temos dinheiro no fundo [da União], não temos qualquer recurso do pré-sal. Nada. O que temos? Temos as reservas que o Brasil acumulou. Mas não faz sentido para o governo fazer isso agora [dar o dinheiro] se pode entregar 5 bilhões de barris e com isso colocar a Petrobras em uma melhor situação, garantir que ela possa levantar fundos em mercados internacionais, dado que ela tem esse acesso.
Para ler em inglês:
http://www.ft.com/cms/s/0/75466e5a-9b96-11de-b214-00144feabdc0.html?nclick_check=1