Fonte: www.redebrasilatual.com.br
Estudo inédito reforça que questão de gênero não foi superada no ofício docente e que má formação e baixo acesso a recursos culturais prejudicam o trabalho
Por: João Peres
Publicado em 06/10/2009
Um dos setores trabalhistas que mais emprega está recheado de problemas e reproduz preconceitos arraigados na sociedade brasileira. Um estudo divulgado pela Unesco nesta terça-feira (6) e fornecido à Rede Brasil Atual revela que o ofício docente continua constituindo uma oportunidade de emprego para as mulheres, representando 15,9% das vagas femininas geradas no Brasil. Por isso, "Professores do Brasil: impasses e desafios" assinala que o magistério serviu ao ingresso da mulher no mercado de trabalho, sendo a “representação do ofício docente como prorrogação das atividades maternas e pela naturalização da escolha feminina pela educação”.
Cruzando vários dados do IBGE e dos ministérios do Trabalho e da Educação, além de informações da própria Unesco, as pesquisadoras Bernardete Garri e Elba de Sá Barreto traçaram um dos mais completos perfis do trabalho de professor no país. A esmagadora maioria dos profissionais do setor está na educação básica, especificamente no ensino fundamental, com salários mais baixos e problemas na formação.
Quanto à escolaridade, é também na educação básica que se notam os maiores problemas. Entre professores leigos, ou seja, aqueles que não têm formação específica na área, há alguns com apenas um ano de estudo. A média, no entanto, fica em 12 anos de formação, e 94,9% possuem curso superior.
As regiões Norte e Nordeste concentram o maior número de leigos no ensino e a oferta de educação nas zonas rurais é considerada absolutamente irrisória. Tendo em vista a distribuição desigual das ofertas de vagas de estudo tanto nas faculdades públicas quanto nas privadas, a Unesco pede a maior articulação entre instituições de ensino superior e aquelas que admitem docentes para que formulem estratégias conjuntas de forma a sanar o problema. Nesse ponto, o levantamento faz elogios aos programas do MEC para a formação de professores, apontando que o foco é acabar com problemas históricos da educação no país, ao mesmo tempo em que se demonstra a preocupação com a proliferação excessiva dos cursos a distância no setor.
Sobre os cursos presenciais, as pesquisadoras concluem que as regiões Sul e Sudeste concentram fortemente os cursos de Pedagogia e as diversas licenciaturas, como Biologia, Matemática e Letras, somando mais da metade deles. Neste caso, as piores situações são vistas no Norte e no Centro-oeste, que somam pouco mais de 20% do total. Por outro lado, é nas áreas mais ricas em que se concentram cursos privados, com esmagadora maioria sobre a iniciativa pública.
As pesquisadoras advertem que houve um crescimento demasiadamente rápido na década de 90 no oferecimento de cursos. “A formação de professores no país ainda sofre os impactos do crescimento efetivo tão recente e rápido das redes públicas e privadas de ensino fundamental, e das improvisações que foram necessárias para que as escolas funcionassem”, afirma.
Mesmo o crescimento dos cursos de formação continuada, muitas vezes atrelados a incentivos de empregadores do setor público, não são vistos de forma totalmente positiva pela Unesco. A pesquisa adverte que “com problemas crescentes nos cursos de formação inicial de professores, a ideia de formação continuada como aprimoramento profissional foi se deslocando também para uma concepção de formação compensatória destinada a preencher lacunas da formação inicial.”
Incomoda também o predomínio de cursos oferecidos no período noturno: “tendem a ter um funcionamento mais precário do que os diurnos, particularmente no que diz respeito às atividades ligadas às práticas docentes requeridas pela formação específica para o magistério”.
Perfil
A pesquisa qualifica de preocupante o número de alunos que fazem cursos de licenciaturas, como Biologia, Matemática, Letras e outros, apenas como “seguro desemprego”. De acordo com dados do MEC, 23,9% dos estudantes buscam apenas uma opção caso não consigam exercer o ofício desejado.
Além disso, quase a metade dos estudantes estão entre 25 e 39 anos, fora da faixa etária considerada ideal, de até 24 anos. Por outro lado, entre os que estudam apenas 26% são financiados pela família, sendo que os outros precisam trabalhar, o que deixa a faculdade em segundo plano.
A falta de tempo reflete-se também no baixo consumo cultural visto entre os professores. Como lembra o levantamento da Unesco, a forma como os docentes pensam e atuam tem a ver não apenas com experiências de escolarização, mas com a própria experiência de vida e o relacionamento com bens culturais. 9,4% dos professores dizem não ter lido livro algum em um ano, e 28% leram no máximo dois. A maioria diz ter a televisão como principal fonte de informação (58,3%), seguida pela internet (19%).
A questão socioeconômica demonstra um quadro crítico do ofício docente no país, reproduzindo também algumas das disparidades entre regiões. No geral, 39,2% dos profissionais do setor recebem até 3 salários mínimos, e outros 50,4% ganham entre 3 e 10 salários.
Conclusões
Bernardete Gatti e Elba de Sá Barreto, com base na análise dos dados, afirmam que não é possível manter o discurso de que a educação não precisa de mais verbas. Salários pouco atraentes e planos de carreiras pouco claros são motivos para afastar as pessoas do ofício docente, analisam.
Além disso, a Unesco considera necessário eliminar a influência de grupos de pressão sobre os currículos, além de alterar menos dramaticamente e frequentemente a legislação do setor. Uma verdadeira revolução é necessária na formação de professores, defende o estudo, apontando a