Fonte: Novo Jornal
Segundo o presidente da Ajosp, o choque de gestão traz prejuízos para o funcionalismo público de MG, em relação ao seu futuro previdenciário
Por Cláudio Vilaça*
A sangria na seguridade social dos servidores públicos do Estado no contexto “Choque de Gestão”
Antecedentes Históricos
No contexto de reforma do aparelho do Estado (na concepção neoliberal), é passada a idéia do desperdício, da ineficiência e crise crônica na Administração Pública, os espaços com capacidade de geração e ampliação das margens de lucro nas atividades tradicionais do mercado são cada vez mais escassas. E que os setores relativos às políticas sociais, em particular da educação, da saúde, previdência e assistência social são fatias de mercado mais promissoras e lucrativas, do presente e do futuro. Dai nasceu o Programa Nacional de Publicização (1995), com a estruturação das chamadas OS – Organizações Sociais, agora OSCIP’s – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, orientado para a implantação de novas formas de prestação de serviços públicos (Estado Gerencial), através de parcerias com o setor privado via contratos de gestão.
Na mesma direção, proposta recente apresentada no Congresso Nacional através do PLC nº 92\07, visa estruturar as chamadas FEDP’s – Fundações Estatais de Direito Privado, para desempenhar atividades estatais que não sejam exclusivas de Estado, mirando, dentre outras, a saúde, a assistência social e a previdência complementar dos servidores públicos, ainda não regulamentada.
Uma análise crítica desses modelos/propostas conduz à conclusão de que o Estado abandonaria responsabilidades essenciais ao desenvolvimento econômico e social, inviabilizando a implantação de políticas públicas inclusivas.
A Privatização da Seguridade Social dos Servidores Públicos
A separação entre formulação e execução de políticas públicas sociais é uma concepção privatista do Estado a partir do momento em que se limita a financiar e coordenar sua execução. Com isso o setor público privatizado transforma-se em novos mercados, transferindo poupança pública para a iniciativa privada e se tornando mera alavanca para o desenvolvimento de novas alternativas de acumulação de capital e exacerbação do processo de concentração de renda e Poder.
Se de um lado as OSCIP’s, figura jurídica de direito privado não integrante da administração pública, estão completamente liberadas da observância aos limites regulatórios, de outro, as FEDP’s representam a consolidação da iniciativa privada na gestão de atividades essenciais de responsabilidade do setor público.
Tanto a qualificação como OSCIP’s, quanto a criação de FEDP’s, implicam transferência para essas entidades (arranjos), de patrimônio público, recursos orçamentários, servidores (quadro de estatutários em extinção) e a gestão de serviços públicos essenciais, com extinção dos respectivos órgãos públicos, ficando clara a possibilidade de se cobrar pelos serviços prestados por essas (des) organizações, prática já comprovada direcionada à acumulação de lucros.
No caso da saúde, fica evidente através do consumo indiscriminado de material, medicamentos e equipamentos, o que se sustentaria no fortalecimento do modelo assistencial curativo, que só interessa à doença. É a negação de uma tendência mundial que caminha para a promoção, e, por outro, é a expressão de força de grupos, setores e empresas (business) que historicamente lucraram com a doença. E o sofrimento das comunidades desamparadas pelos planos de saúde, esses, negação à solidariedade implícita no atendimento universal e de qualidade.
Por outro lado, na previdência e assistência social, a limitação dos benefícios e serviços, como forma de obrigar servidores, aposentados e pensionistas a ingressar em planos complementares privados, relegará a grande massa à exclusão de qualquer forma de amparo securitário. Como conseqüência, impõe-se a fraude à solidariedade do sistema, numa traição ao pacto de gerações implícito no sistema de previdência social, como única alternativa de sobrevivência, o que não é verdade.
Na realidade, onde implantada a reforma administrativa na lógica das organizações sociais, ocorreram graves distorções, como a proliferação de entidades, a fragmentação da ação administrativa e um aguçamento do nepotismo, em decorrência da permeabilidade dos quadros de pessoal dessas entidades a pressões externas, flexibilização das formas de contratação, como remanejamento de quadros, regime celetista, desobrigação de concursos públicos, nomeação excessiva para cargos de recrutamento amplo, contratos temporários, contratos administrativos, consultorias permanentes e outros.
Não há provas de que esse modelo de Estado, que acoberta OSCIP’s e FEDP’s, foi capaz de proporcionar melhores serviços à sociedade ou gestão mais eficiente de recursos. Ao contrário, é certo que produziram serviços com custos mais elevados e seletividade no atendimento, principalmente na área da Seguridade Social.
O processo de publicização implicou redução de investimentos em serviços públicos nas áreas de saúde, previdência e assistência social, ensejando a cobrança por parte das entidades “sem fins lucrativos” de quaisquer serviços prestados, mesmo que, por dever constitucional, devam ter o caráter público e estatal.
Choque de Gestão é retrocesso
Não obstante a constatação de que essas alternativas fracassaram na concepção de quem demanda um serviço público de qualidade, o Poder Executivo em Minas, demonstrando seu caráter centralizador, assentado na prepotência do “Choque de Gestão”, e, mais uma vez, agredindo a autonomia da administração descentralizada, trilha sem nenhuma transparência o caminho da fragmentação da Seguridade Social dos servidores públicos, através de ações e propostas questionáveis quanto ao conteúdo e à real capacidade de se converterem em soluções para os problemas vivenciados no IPSEMG, gestor do regime próprio dos servidores.
No fortalecimento das entidades autárquicas, de caráter público-estatal, responsáveis pela prestação de serviços peculiares ou atividades típicas de Estado, em contraponto ao simples repasse ou trespasse dessas obrigações, via contratos de gestão ao terceiro setor, reside o principal desafio dos servidores no resgate da missão institucional do IPSEMG.
Mesmo sendo essa uma tendência, prevalência da descentralização e autonomia administrativa, as diretrizes políticas e práxis administrativa determinadas em Minas pelo”Choque de Gestão”, impõem a total centralização das ações em núcleos de Poder do Estado – os núcleos estratégicos e burocráticos, impregnados do autoritarismo da SEPLAG e da voracidade fiscal da SEF, que manipula todos os recursos do Estado, independentemente de sua origem, como no caso das contribuições dos servidores.
Crise Programada
Destarte, o Instituto, mergulhado nesse processo de entropia, agoniza diante do olhar generoso e conivente de dirigentes e entidades sindicais, que assistiram passivamente aos cortes efetivados no seu orçamento, inédita redução no atendimento de saúde, com a suspensão de programas importantes como o IPSEMG-FAMÍLIA, Drogaria do Servidor, PAPCG - Programa de Acompanhamento ao Paciente Crônico Grave, IPSEMG-QUALIDADE DE VIDA, rescisão de contratos com prestadores de serviços (hospitais, clínicas e laboratórios) ou profissionais médicos e dentistas.
Não se admite a alegação de falta de recursos, basta a leitura atenta da realidade do IPSEMG nos últimos anos, com destaque para os dispositivos da LC nº 64/2002, de 25 de março de 2002.
Fica evidente a partir da lei complementar mencionada que os problemas relacionados aos pagamentos de benefícios de prestação continuada, pensões e aposentadorias, foram solucionados com a instituição do FUNPENG – Fundo de Previdência do Estado de Minas Gerais (saldo acumulado de 1,2 bilhões de reais), garantidos como benefícios previdenciários e não “benesse” patronal.
A assistência à saúde, como benefício social compensatório à previdência dos servidores, foi preservada e é superavitária, como demonstram os balanços e relatórios de gestão do IPSEMG, originalmente em gráficos, mas aqui explicados por meio do texto, e, não fosse a retenção e apropriação indevida das contribuições ou as medidas adotadas a partir de janeiro/2003, como conseqüência do “choque de gestão”, primeira e segunda gerações, os benefícios assistenciais conquistados estariam consolidados, em processo de expansão e busca permanente do aumento da qualidade, com a agregação de valor aos produtos e serviços.
Em outro infográfico, está comprovado que o servidor público patrocina o chamado “déficit zero”, já que evidenciado que parte de suas contribuições ficaram retidas no tesouro estadual, caracterizando a relação promíscua que a Secretaria da Fazenda impõe ao IPSEMG.
Desta forma, contrariando a lógica da descentralização e o caráter autárquico necessário e indispensável na busca da eficiência/eficácia, como de seus reflexos positivos, a imposição autoritária, tutelar pelo Poder Central na definição dos rumos do RPPS - Regime Próprio de Previdência e Assistência, gerido pelo IPSEMG, coloca em risco a assistência de saúde do servidor e as garantias previdenciárias de amparo à sua família, que deveriam ser garantidos em quaisquer circunstâncias, observados os princípios da Seguridade Social definidos na CF.
Mas, infelizmente, é pacífica a conclusão de que a crescente crise vivenciada pelo IPSEMG, mais uma vez foi planejada para justificar a entrega de seu patrimônio e o produto de suas atividades finalisticas para OSCIP´s ou “fundações públicas” de direito privado, tudo sob a coordenação da SEPLAG, resgatando a dicotomia do “caixa único” no controle das receitas previdenciárias e do orçamento fiscal, e enfraquecendo o regime próprio dos servidores.
Sindicatos Omissos e coniventes
Mais grave é que as entidades sindicais que integram o Conselho Deliberativo do IPSEMG, os Conselhos de Administração e Fiscal do FUNPEMG de forma paritária e, de forma integral, o Conselho de Beneficiários que, por lei, é obrigado a fiscalizar a política de atendimento ao servidor e a concessão de benefícios, aceitam, compactuam, sem nenhum questionamento, com a “lenga lenga” dos dirigentes de que não tem dinheiro, esses, assessorados por inúmeros ocupantes de cargos de recrutamento amplo, criados para acomodar fiéis escudeiros do modelo neoliberal e suas elites, ou aplaudidos por ocupantes de funções gratificadas, infestadas por indicações políticas, para abrigar alguns companheiros/servidores mudos na defesa do Instituto.
Não raro, a participação de empresas privadas ou organizações não estatais em questões essenciais do interesse público é um marco do Estado atual, proliferando debates ou emergindo temas como filantropia, cidadania empresarial, ética e responsabilidade social nos negócios. Só que saúde e previdência social não é negócio, sendo ínfimos os investimentos privados disponíveis nessa área, ficando todos aguardando a possibilidade do direcionamento de recursos públicos através de parcerias duvidosas via contratos de gestão.
Nesse contexto e diante do silêncio das entidades sindicais com assento nos conselhos instituídos - mudas no questionamento do modelo pretendido e ações desenvolvidas -, os servidores perdem a consciência da importância de lutar pela preservação de direitos e conquistas históricas através do IPSEMG, negligenciando na fiscalização do seu futuro previdenciário ou abrindo mão do direito à assistência médica integral, incluída a psiquiátrica e social, assistência odontológica, farmacêutica e complementar, como forma de minimizar o sofrimento daqueles que, eventualmente, necessitem de uma órtese, prótese, oxigeno terapia ou medicamentos de uso contínuo.
Na prática os servidores estarão permitindo a troca da assistência humanizada de um plano de qualidade de vida por um seguro que exigirá co-participação em consultas, exames, impondo limites para cirurgias, partos, internações, doenças crônicas ou infecto-contagiosas e cujos reajustes irão superar os índices inflacionários ou a variação dos vencimentos dos contribuintes.
Perdem os Servidores e a Sociedade
Urge e é imperativo que o servidor público entenda todo o processo desencadeado para liquidar o IPSEMG e todo o seu patrimônio, material e humano, constituído durante décadas com a sua contribuição.
De um lado, os interesses corporativos das empresas atuando junto ao Governo, que adepto do modelo neoliberal, cumpre à risca seu papel, promovendo a quebra da autonomia do IPSEMG, impondo asfixia financeira que leva à inadimplência do órgão junto ao servidor, com a conseqüente suspensão de serviços e benefícios.
Do outro lado, os mesmos grupos de interesses agindo junto a algumas entidades sindicais que, sem representatividade, legitimidade ou transparência, curvam-se a práticas privatizantes, se omitindo na defesa de seus filiados, principalmente daqueles que percebem os menores vencimentos, que representa oitenta e cinco por cento do universo de servidores públicos.
Ao invés de privatizar uma autarquia especial de direito público, uma instituição centenária com tradição e vocação para prestação de serviços peculiares e finalísticos, desmantelando a Seguridade Social dos servidores públicos, o executivo mineiro deveria demonstrar capacidade para alavancar um processo de mudança que vislumbrasse a sustentabilidade, o equilíbrio atuarial e a incorporação do progresso técnico, mas, principalmente, que atenda as expectativas desses servidores relacionadas à efetividade, à eficiência, à humanização, ao acolhimento e à participação social ativa, incorporando alternativas que agreguem valor aos serviços prestados e benefícios concedidos e que sejam socialmente justas.
Seria mais lógico que o governador Aécio Neves tomasse a iniciativa de retirar os entraves que ele mesmo vem impondo ao funcionamento do IPSEMG, dificultando o cumprimento de sua missão institucional, para resgatar a autonomia de sua ação e reconhecer que a Seguridade Social é um direito social dos servidores em contrapartida a uma atividade mercantil dominada pelo interesse de grupos privados, camuflados nas organizações sociais e impregnados pela ganância do poder econômico.
*Cláudio Vilaça é jornalista e presidente da Associação dos Jornalistas do Serviço Público (Ajosp).