segunda-feira, 15 de março de 2010

ESQUECEM A HONRA

Fonte: Terra Magazine

Cláudio Lembo
De São Paulo

Uma onda de pessimismo invade determinados segmentos da sociedade. Pessoas que pensam e vivem, de acordo com princípios arraigados, sentem-se desconfortáveis.

Elementos que compunham o rol de requisitos para vida digna vão se evaporando. Já não valem. Foram esquecidos nos velhos manuais escolares e em tratados lançados no fundo das bibliotecas.

Interessa o pragmático. Ganhar. Vencer a qualquer custo. Rompem-se referências antes consolidadas. Mente-se. Agride-se o perfil de personalidades sem qualquer pudor.

Particularmente após as obras de Maquiavel, a política passou a ser considerada um campo sem vedações. Importa obter e preservar o Poder. Os métodos pouco importam. Interessa apenas a obtenção dos objetivos.

Quando a esgrima política desenvolvia-se entre mandatários, oriundos de família tradicionais, sem qualquer interferência da população, a ação concretizava-se entre iguais e iguais feria. Os maus exemplos circunscreviam-se a poucos atores.

Instalou-se a democracia e, de maneira paralela, as formas contemporâneas de comunicação. A democracia trouxe em seu bojo a transparência. A publicidade tornou-se valor essencial para sua realização.

A exigência de ampla visibilidade de todos os atos, inclusive pessoais, dos agentes públicos, alinha-se aos atuais instrumentos de comunicação: rádio, televisão e internet. A soma conduziu a situações inusitadas.

A pessoa que, por vocação ou circunstância, torna-se agente público recebe a exigência de agir em plena luz. Não poderá haver desvãos em sua vida pública ou privada, ainda porque as duas se comunicam inevitavelmente.

Isto permite aos vocacionados criar o próprio perfil e neste se encontram incluídas suas maneiras de agir, posicionar-se em momentos importantes e viver de conformidade com suas possibilidades.

Enfim, todos os elementos que formam sua personalidade. Estas condicionantes produzem um valor significativo e que identifica as pessoas. Trata-se da honra.

A honra é palavra em desuso. No entanto, ao longo dos tempos possuiu valor significativo. Quando esta era agredida, as pessoas procuravam lavá-la com sangue.

A nobreza expunha-se a duelos e os economicamente desafortunados procuravam formas mais rudes e menos solenes de exterminar o violador de sua honra e de seus familiares.

Os costumes se alteraram. Duelos, quando muito verbais e processuais. O sangue não é bom detergente para a limpeza da própria imagem e a dos integrantes de seu clã.

Isto, contudo, é apenas alteração das conseqüências da violação da honra alheia. Por mais fragilizada que a palavra e seu conteúdo se encontrem, sabe-se que a honra indica o bom comportamento de seu titular.

É honrada a pessoa trabalhadora. Aquela que cumpre com os deveres convencionados. Caminha sem ingressar nos atalhos dos vícios profundos. Dá exemplo de bem viver.

A honra é o indicativo das qualidades da pessoa no seu agir na sociedade. Ela se constrói em longo percurso. Desde os primeiros anos até a morte, as pessoas edificam sua imagem.

É lamentável - e mesmo criminoso - a facilidade com que na atualidade a honra alheia é objeto de agressões infundadas. Às vezes produto do conflito entre partidos ou opções filosóficas.

Outras vezes, contudo, objeto de uma doentia sanha de agredir pelo mero prazer de ferir. Falta em alguns autocrítica. A capacidade de limitar as atitudes agressivas. Abster-se da vontade de ferir gratuitamente.

É preciso reconhecer que a honra é o reconhecimento da grandeza e da dignidade da pessoa. Trata-se do sentimento de estima que a pessoa goza na sociedade.

Esta não pode ser violada, atingida de maneira estúpida e celerada. A violência contra a honra pessoal configura com linchamento moral. Este é tão grave quanto o linchamento físico.

Os linchamentos são reações anormais e inaceitáveis. Nas vésperas de nova campanha eleitoral, estas considerações parecem legítimas, ainda porque o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica.

Este declara expressamente a proteção da honra e da dignidade. Espera-se da cidadania o cumprimento deste preceito fundamental para a vida em democracia.


Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

Fale com Cláudio Lembo: claudio.lembo@terra.com.br