sábado, 8 de janeiro de 2011

A crise irlandesa: fracasso total do neoliberalismo

Fonte: Vermelho

Em artigo dinâmico e rico em informações, Eric Toussaint apresenta como a promessa de prosperidade representada pelo neoliberalismo irlandês ruiu em 2008, levando junto todos os seguidores do modelo.

Durante uma década a Irlanda foi apresentada pelos promotores mais fervorosos do capitalismo neoliberal como o modelo a seguir. O "tigre celta" ostentava uma taxa de crescimento mais elevada do que a média europeia. A taxa de tributação das empresas havia sido reduzida a 12,5% [1] e a taxa efetivamente paga pelas numerosas transnacionais que ali tinham domicílio oscilava entre 3% e 4%: um sonho! Um défice orçamental igual a 0 em 2007. Uma taxa de desemprego de 0% em 2008. Um verdadeiro encanto: todo o mundo parecia ali encontrar o seu quinhão. Os trabalhadores tinham um emprego (é certo que muitas vezes precário), as suas famílias consumiam alegremente, elas desfrutavam do efeito riqueza e os capitalistas, tanto nacionais como estrangeiros, ostentavam resultados extraordinários.

Por Eric Toussaint*
 
Em Outubro de 2008, dois ou três dias antes de o governo salvar da falência os grandes bancos "belgas" (Fortis e Dexia) a expensas dos cidadãos, Bruno Colmant, diretor da Bolsa de Bruxelas e professor de economia, publicou um artigo em Le Soir, o diário belga francófono de referência, no qual afirmava que a Bélgica devia absolutamente seguir o exemplo irlandês e desregulamentar ainda um pouco mais o seu sistema financeiro. Segundo Bruno Colmant, a Bélgica devia modificar o quadro institucional e legal a fim de se tornar uma plataforma do capital internacional como a Irlanda. Algumas semanas mais tarde, o Tigre Celta deixava de rastros. 
 
Na Irlanda, a desregulamentação financeira encorajou uma explosão dos empréstimos às famílias (o endividamento familiar havia atingido 190% do PIB na véspera da crise), nomeadamente no setor do imobiliário, o que estimulou a economia (indústria da construção, atividades financeiras, etc). O setor bancário inchou de uma forma exponencial com a instalação de numerosas sociedades estrangeiras [2] e o aumento dos ativos dos bancos irlandeses. Formaram-se bolhas bursáteis e imobiliárias. O total das capitalizações bursáteis, das emissões de obrigações e dos ativos dos bancos atingiu catorze vezes o PIB do país. 
 
Aquilo que não podia acontecer neste mundo encantador aconteceu então: em Setembro-Outubro de 2008, o castelo de cartas ruiu, as bolhas financeiras e imobiliárias explodiram. Empresas fecham ou deixam o país, o desemprego sobe em flecha (de 0% em 2008, ele salta para 14% no princípio de 2010). O número de famílias incapazes de pagar os credores cresce muito rapidamente. Todo o sistema bancário irlandês está à beira da falência e o governo, completamente em pânico e cego, garantiu o conjunto dos depósitos bancários com 489 bilhões de euros (cerca de três vezes o PIB irlandês, que se elevara a 168 mil milhões de euros). O governo nacionaliza o Allied Irish Bank, principal financiador do imobiliário, injetando 48,5 bilhões de euros (cerca de 30% do PIB). 
 
As exportações enfraquecem. As receitas do Estado baixam. O défice orçamental salta de 14% do PIB em 2009 para 32% em 2010 (mais da metade é atribuível ao apoio maciço aos bancos: 46 mil milhões de injeção de fundos próprios e 31 de compra de ativos de risco). 
 
O plano europeu de ajuda do fim de 2010, com participação do FMI, eleva-se a 85 bilhões de euros de empréstimos (dos quais 22,5 fornecidos pelo FMI) e já se verifica que será insuficiente. Em contrapartida, o remédio de cavalo imposto ao tigre celta é de fato um plano de austeridade drástico que pesa fortemente sobre o poder de compra das famílias, tendo como consequências: redução do consumo, das despesas públicas nos domínios sociais, dos salários dos servidores públicos e da infraestrutura (em proveito do reembolso da dívida) e das receitas fiscais. 
 
As principais medidas do plano de austeridade são terríveis no plano social: supressão de 24.750 empregos de funcionários (8% do efectivo, o que equivale à supressão de 350 mil empregos na França); os novos contratados receberão um salário 10% inferior; baixa das transferências sociais com diminuição dos subsídios de desemprego e familiares, redução importante do orçamento da saúde, congelamento das pensões; aumento dos impostos suportados principalmente pela maioria da população vítima da crise, nomeadamente alta do IVA de 21 para 23% em 2014; criação de uma taxa imobiliária (afeta a metade das famílias, até então livres de tributação); baixa de 1€ do salário horário mínimo (de 8,65 para 7,65 euros, ou seja, -11%).

As taxas dos empréstimos concedidos à Irlanda são muito elevadas: 5,7% para o do FMI e 6,05% para os empréstimos "europeus". Eles servirão para reembolsar os bancos e outras sociedades financeiras que comprarão os títulos da dívida irlandesa — as quais tomam emprestado a uma taxa de 1% junto ao Banco Central Europeu. Um verdadeiro presente dos deuses para os financeiros privados. Segundo a AFP, "o diretor geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, declarou: "Isto vai andar, mas naturalmente é difícil [...] porque é duro para as pessoas que terão de fazer sacrifícios em nome da austeridade orçamental". 
 
A oposição na rua e no parlamento foi muito forte. A Dail, câmara baixa, adotou o plano de ajuda de 85 mil milhões de euros apenas por 81 votos contra 75. Longe de abandonar a sua orientação neoliberal, o FMI indicou que colocava dentre as prioridades da Irlanda a adoção das reformas para suprimir "os obstáculos estruturais aos negócios", a fim de "sustentar a competitividade nos próximos anos". O socialista Dominique Strauss-Kahn diz-se convencido de que a chegada de um novo governo após as eleições previstas para o princípio de 2011 nada mudaria: "Estou confiante de que, ainda que os partidos da oposição, o Fine Gael e o trabalhista, critiquem o governo e o programa [...], eles compreendem a necessidade de o pôr em execução". 
 
Em suma, a liberalização econômica e financeira que visava atrair a qualquer preço os investimentos estrangeiros e as sociedades financeiras transnacionais conduziu a um fracasso completo.
Para adicionar insulto ao dano que a população deve ter como resultado dessa política, o FMI eo governo da Irlanda são perseverantes na orientação neoliberal das duas últimas décadas e, sob pressão do mercado financeiro internacional, estão submetendo a população a um programa de ajustamento estrutural semelhantes às impostas aos países do Terceiro Mundo para as últimas três décadas. Entretanto, estas três décadas devem, ao contrário, servir de exemplo daquilo que não se deve fazer. Eis porque é urgente impor uma lógica radicalmente diferente, em favor dos povos e não da finança privada.
 
Notas

|1| A taxa de tributação dos lucros das empresas eleva-se a 39,5% no Japão, 39,2% na Grã-Bretanha, 34,4% em França, 28% nos Estados Unidos. 

|2| As dificuldades do banco alemão Hypo Reale Estate (salvo em 2007 pelo gouverno de Angela Merckel) e a falência do banco Bear Sterns nos EUA (comprado em Março de 2008 pelo J.P. Morgan com a ajuda da administração Bush) provém nomeadamente dos problemas dos seus fundos especulativos cuja sede era em Dublim.

*Eric Toussaint é presidente do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo - Bélgica (www.cadtm.org) , autor de O Banco Mundial: um manual crítico , Pluto, Londres, 2008.

Da redação, com informações do resistir.info