Será Nazareno o único a defender as prerrogativas
do Legislativo ?
O SR. NAZARENO FONTELES (PT-PI. Sem
revisão do orador.) – Sr. Presidente, caros colegas Parlamentares, este
Grande Expediente quero dedicar à relação entre os Poderes, que tem
tomado um bom tempo de nossa energia neste mandato.
Desde o começo, quando na Comissão
de Constituição e Justiça, apresentamos duas emendas constitucionais:
inicialmente a PEC nº 03 deste ano, depois, a 33.
Realizamos um seminário para chamar
a atenção dessa questão do equilíbrio dos Poderes e da invasão
sistemática das funções legislativas pelo Poder Judiciário. Do
Executivo, a gente já sabe. Mas eu quis dar ênfase ao Poder Judiciário.
Isso, evidentemente, nós
fizemos no intuito de melhorar a República brasileira, na interpretação
da Constituição de que é preciso que, de fato, as funções dos três
poderes sejam cada vez melhor realizadas por eles, em harmonia, como
dita a Constituição.
O Sr. Mauro Benevides- V.Exa. me
permite um aparte, Deputado Nazareno Fonteles? Como V.Exa. aborda esta
temática da divisão de atribuições dos poderes da República, eu me
permito lembrar, porque constituinte fui em 1987 e 1988, que esse debate
sobrelevou nesta Casa, com manifestações das mais expressivas
lideranças, na época, todas afirmando exatamente a necessidade da
delimitação de prerrogativa dos poderes, que são independentes e
harmônicos entre si. Essa independência e essa harmonia efetivamente
devem prevalecer. E, naturalmente, nós apresentamos como lastro de apoio
o grande debate que aqui se travou, em 1987/1988, ocasião em que estava
eu na condição de 1ºVice-Presidente da Assembleia Constituinte,
sucedendo, portanto, na direção dos trabalhos, o grande eminente
brasileiro Ulysses Guimarães. Cumprimento V.Exa. por esse início de
pronunciamento que se auspicia, naturalmente, dos mais proveitosos para
todos nós que estamos aqui neste plenário soberano.
O SR. NAZARENO FONTELES - Obrigado,
Deputado Mauro Benevides. Incorporo o seu comentário ao nosso
pronunciamento. Embora de maneira clara, expressa, a Constituição
coloque os três poderes, nós sabemos que, na prática, temos pelo menos
quatro. Nós sabemos o peso de um poder, também não eleito, como o
Judiciário tem, que é o poder da mídia, não só no Brasil mas também em
todo o mundo. Mas como uma Constituição precisa de fato tratar dos
poderes de maneira equilibrada, eu vou relatar fatos, para mostrar como o
tratamento dado aos três poderes pelo quarto poder, que é a mídia, não é
equilibrado.
Isso mostra que este poder, que
deveria exercer a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa na sua
plenitude, não a exerce exatamente porque em muitos dos seus aspectos é
refém dos poderosos, dos mais ricos e mais influentes da República.
Infelizmente, isto é verdadeiro, embora isto tenha exceções, graças a
Deus.
E por isso, quando coloco, para
maior equilíbrio entre os Poderes Judiciário e Legislativo, a
possibilidade, que é prevista na Constituição, em seu art. 49, inciso
XI, de que por causa do zelo que o Congresso tem que ter ao legislar,
ele pode sustar atos do Judiciário, eu apenas explicito na emenda
constitucional.
Mais do que nunca nós estamos
vendo agora, nos últimos exemplos de atuação do Supremo, que esta Casa
tem sido humilhada. Embora ela tenha dado prerrogativas ao Poder
Judiciário, tanto na Constituinte de 1988 como posteriormente em algumas
emendas constitucionais e leis, como no caso das súmulas vinculantes,
já dentro da Emenda 45, nós estamos vendo agora, após a declaração da
Ministra Eliana Calmon, a ameaça que o Supremo faz à Emenda 45, pelas
conversas que se tem, em diminuir os poderes do Conselho Nacional de
Justiça, principalmente na questão da Corregedoria, hoje exercida pela
Ministra Eliana Calmon.
E a Constituição, por esta
emenda — está lá no art. 103-B — , deixou claro que o Conselho, além de
atuar na questão administrativa e financeira do Poder Judiciário, também
atua no controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes,
cabendo-lhe além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura, e aí vão mais outras coisas.
Ora, evidentemente, isso é o coração da Emenda 45 que nós aprovamos aqui em 2004. Nós colocamos na Constituição.
Se um outro poder não eleito pode interferir numa emenda constitucional, a República está ameaçada, a democracia está ameaçada.
Por isso, na Emenda 33, nós
colocamos a seguinte situação: se houver disputa de interpretação entre o
Judiciário e o Legislativo, vota-se um plebiscito e o povo exerceráa
sua soberania diretamente, dizendo se concorda conosco ou com a
interpretação do Judiciário.
O que não pode é o Judiciário
se arvorar, de maneira arbitrária, antidemocrática, e legislar como tem
feito. Na decisão, por exemplo, sobre a união homoafetiva, ele legislou
ou não legislou? Quem for ler alguns dos votos… Eu li o voto do Ministro
Lewandowski, em que ele faz questão de resgatar os diálogos da
Constituinte e reconhece que nem o constituinte admitia aquela
interpretação.
Então, eles ousaram em
funcionar como poder constituinte. O Judiciário agiu como poder
constituinte, deu um golpe na Constituição, está dando um golpe na
democracia e esta Casa está de joelhos.
É preciso que a mídia trate o Poder
Judiciário como trata este poder, na hora em que há um desmando, ou
pelo menos indícios, de um membro deste poder, as páginas dos jornais
nacionais da grande mídia acabam com a imagem deste poder.
Pois é, minha gente, aqui está a
peça que pediu o impeachment do Ministro do Supremo Gilmar Mendes,
feita pelo advogado Alberto de Oliveira Piovesan. Está na Internet,
disponível a todos. Eu li a peça. A República deve tremer. Como é que
isto não foi divulgado pela mídia nacional, como tem sido feito quando
ocorre com qualquer membro deste poder? Eu não peço menos rigor para cá.
Eu peço tratamento igual aos outros poderes ao quarto poder, que é a
mídia. Peço à mídia que não se agache, que não se acovarde, que não
esconda da República e do povo aquilo que pode ser um grande escândalo.
Esse pedido de impeachment foi ao
Senado, e o Senador José Sarney, Presidente do Senado, engavetou sem
criar uma comissão de Senadores para fazer a análise do pedido
de impeachment. Outra vergonha da República. Não cumpriu com o seu
dever. O próprio advogado recorreu ao Supremo com um mandado de
segurança. Evidentemente, este não teve a coragem e a independência para
tocar para a frente, derrotou também.
Agora eu me dirijo à Corregedora
Eliana Calmon. A menos que as informações não tenham chegado a mim — não
tenho a obrigação de saber tudo o que ocorre lá — , mas pelo art. 103-B
e por outras resoluções, o cumprimento funcional de todos os
magistrados tem que ser analisado pelo Conselho Nacional de
Justiça. Portanto, Ministra Eliana Calmon, a quem rendo minhas
homenagens e já o fiz antes, V.Exa. e o Conselho precisam analisar as
denúncias aqui colocadas sobre este caso. Não se trata do Ministro A ou
B. Por acaso, este é o que nós temos de exemplo concreto, mas aqui
surgem ilações de outros comportamentos que precisam ser conhecidos de
todos e todas. Épreciso, talvez, que esta Casa faça novas emendas à
Constituição para corrigir rumos em relação ao Poder Judiciário, para
ele ser mais democrático, para que ele funcione mais a serviço do povo.
Por que digo isso? Porque, vejam
bem, Ministros do Supremo só são onze; Deputados são 513, mais 81
Senadores — e, quando ocorre uma suspeição qualquer sobre um desses
membros, a gente sabe como isso é divulgado. Como é que um membro do
Supremo, tendo suspeição de influências no seu trabalho, inclusive
quando era Presidente do Supremo, por uma banca de advocacia famosa e
poderosa… aqui ele descreve tudo, e a gente tem que dar os nomes.
Aproveito, Presidente, para dizer
que quero que façam parte como complemento do meu pronunciamento todas
as peças, para que fique claro que o que eu estou dizendo deve ter
consequências, a não ser por omissão daqueles que não se interessarem.
Isso vale para o Ministério Público Federal e para o Conselho Nacional
de Justiça, como a crítica que já fiz ao Senado. No meu entendimento,
pelo menos um dos 81 Senadores teria que ter reagido sobre isso. Ainda
étempo. Se o homem engavetou, recorra à Comissão de Constituição e
Justiça do Senado para que se cumpra o Regimento Interno e a
interpretação normal desses casos.
O que está dito aqui — baseado
em reportagem, claro, mas de um jornalista que não foi contestado — é
que, por exemplo, a esposa do Ministro é funcionária no escritório de
advocacia, e causas desses advogados são julgadas pelo Supremo,
inclusive com ele. Na entrevista, ele disse que isso não tem problema.
Ora, minha gente, quer dizer
que o decoro — quando a gente vai para o Código de Ética da Magistratura
ou para o Estatuto da Magistratura, aqui citados os artigos detalhados —
está violado, sim. Então, eu fico a me perguntar: por que isso não teve
divulgação pela grande mídia? Eu sei que esse advogado é de poderosos
da mídia. Está dito aqui. Aí a gente percebe como é difícil a democracia
na prática, o tratamento igualitário que a República prega para todos,
não queuns podem mais, uns podem fugir da lei, e os outros têm que ser
submetidos às leis. Ao fazer esta reflexão em cima destas peças, eu
vejo, cada vez mais, que é preciso que os tribunais tenham mandatos para
os seus membros. O STJ, o STF e os tribunais dos Estados têm que ter
mandato. O Conselho Nacional de Justiça não tem mandato para todos os
seus membros? É quem está funcionando para dar exemplo de purificação
dentro das instâncias do Judiciário. Então, se o Judiciário tiver
mandatos por 5, 7 anos e não essa coisa vitalícia na cúpula, nós, com
certeza, vamos ter um Judiciário mais democrático e mais ágil.
Nós precisamos aumentar a
transparência do Judiciário na questão da previsibilidade da pauta. Vou
ilustrar para os colegas Deputados: duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade foram feitas contra a Lei da Biossegurança pelo
então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles em 2005: uma sobre
células-tronco embrionárias e a outra sobre transgênicos. A das
células-tronco embrionárias foi julgada. Fizeram um teatro danado,
porque os pobres dos embriões não podem se defender. Foram tratados como
objeto. O direito fundamental à vida foi rasgado pelo Supremo naquele
dia, porque ele manteve essa posição ruim que nasceu no Senado. Parece
coincidência: nasceu do Senado aquela ideia e terminou aqui, onde parte
dos membros desta Casa acovardaram-se e mudaram de posição em relação às
células-tronco embrionárias. Pois bem, foi julgado. Em relação aos
transgênicos, até hoje ninguém tem notícia. Transgênicos se ligam às
multinacionais poderosas, riquíssimas, que influenciam a política do
mundo, que tentam padronizar o alimento do povo, prejudicando os
agricultores familiares, o meio ambiente, a nossa saúde.
O que eu quero dizer com isso? É
que termina, na prática, o Judiciário ficando, geralmente, do lado dos
poderosos, que é quem pode pagar escritórios caríssimos de advocacia
para acompanhá-los, é quem influencia nas grandes causas e acaba com o
interesse dos menores, o direito dos pequenos, para os quais o Supremo
recebe o mandato de guardião da Constituição, desta Constituição. Ele
não está cumprindo.
Em vez de reduzir as desigualdades,
elas aumentam. São os poderosos. Várias operações foram anuladas nesse
Judiciário porque atingiam poderosos, inclusive o filho do Sarney, que
era atingido por uma das operações. Então, como não desconfiar da
atuação desses poderes? A República precisa de transparência. A
imprensa precisa ter a coragem e a ousadia que teve esse jornalista de
publicar, na revista Piauí, essa entrevista que, na época, levou ao
pedido do processo de impeachment, para que todos tenham o mesmo
tratamento.
Eu gostaria de não ter o
trabalho nem a incumbência de falar disso aqui, mas sabemos que, para
avançar a democracia, os três poderes têm que atuar mutuamente,
equilibrando-se para que de fato haja harmonia, sem hipocrisia. Não pode
um poder que julga todos nós, no qual a cidadania está submetida a
todas as causas, nos causar essa insegurança jurídica! Graças a essa
denúncia, a essa fala corajosa de Eliana Calmon, tivemos acesso a muitos
dados aos quais não tínhamos, porque, de fato, a imprensa não frequenta
os tribunais como frequenta aqui, pois eles mesmos, com certeza, não
facilitam.
Eu tenho certeza de que, se
facilitassem, haveria mais resultado. Estou cobrando da imprensa que ela
tenha coragem, que ajude a República a ser mais democrática, dando a
todos o mesmo tratamento, para que caminhemos na direção de maior
justiça social, de maior aplicação dos direitos humanosa todos e a
todas. Tem V.Exa. o aparte, Deputado Vicentinho.
O Sr. Vicentinho- Obrigado, estimado
companheiro Nazareno Fonteles, orgulho do povo do seu Estado do Piauí e
do Brasil. V.Exa., companheiro do meu partido, recentemente teve uma
posturademonstrando uma ira santa na bancadaem defesa do financiamento
da Emenda Constitucional nº 29. V.Exa. teve a ousadia de se levantar
contra a demagogia de que é preciso haver uma fonte para garantir saúde
neste País. Todos nós o seguimos, porque sabemos que V.Exa. tem agido
corretamente. Aqui nós votamos, sem demagogia, em prol do povo, em
função da sua posição. Quero aqui, caro companheiro, parabenizá-lo pelo
seu trabalho, pela sua história. Essa sua manifestação, para mim, é um
grito que representa todos aqueles que querem justiça e um Estado
efetivamente equilibrado. Como dói ouvir o que eu ouvi ainda hápouco ao
entrar no plenário. Alguém disse: Vicentinho, então você ganhou o
processo contra a revista Veja, na primeira instância? Eu disse: Ganhei,
um fato maravilhoso. Aí disseram: Pois é, que pena, porque, quando
chegar mais para cima, você e todos vão perder contra essa grande
mídia. Olhem só, a sociedade começa a desanimar e a não mais acreditar.
Por isso eu quero agradecer a V.Exa. pelo seu pronunciamento. Que o
nosso telespectador, o nosso ouvinte e os Parlamentares presentes tenham
isso como uma referência para fortalecer esse debate corajoso em defesa
da igualdade entre os Três Poderes. Obrigado, companheiro.
O SR. NAZARENO FONTELES - Eu agradeço a V.Exa. pelo aparte e o incorporo ao meu pronunciamento.
O Sr. Celso Maldaner - V.Exa. me concede um aparte?
O SR. NAZARENO FONTELES - Pois não, Deputado Celso Maldaner.
O Sr. Celso Maldaner - Deputado
Nazareno Fonteles, só quero expressar minha satisfação e orgulho —
conheço o trabalho de V.Exa. porque participamos juntos da Comissão de
Agricultura — porsua autenticidade, sinceridade, seriedade e
honestidade, principalmente quando mostra o tratamento diferenciado
entre os Poderes. Acho que teria haver tratamento isonômico entre todos
os Poderes, principalmente pela mídia. Por exemplo, V.Exa. falava de
Parlamentar. Saiu na revista Época os Deputados que mais gastaram
telefone. Disseram que eu, particularmente, gastei 88 mil, 208 reais, o
catarinense que mais gastou em telefone do mês de janeiro atéo fim de
agosto. Fiz o levantamento com a Assessoria e gastei R$ 34.956,80. Este
foi o gasto de janeiro a dezembro: R$ 34. 956,80. Na mídia, em Santa
Catarina, saiu 88 mil, 208. E agora? Como eu faço? Como explico? Como
rever isso? A revista Época divulgou e todos os meios de comunicação de
Santa Catarina. Puxa vida! Eu trabalho bastante, mas não tanto assim
para gastar tanto telefone. Tem que haver tratamento igual para todos os
Poderes.
O SR. NAZARENO FONTELES - Agradeço a V.Exa. pela colaboração.
Continuando meu pronunciamento,
para que fique claro na menção do meu próprio discurso, a banca de
advogados é do advogado Sérgio Bermudes. Aqui fala, por exemplo, que
participou de festa com ele, viajou para Buenos Aires como um agrado, um
presentinho. E por aí vai. Estou mostrando porque a peça é muito longa
e, evidentemente, não há tempo de transcrevê-la. Por isso, pedi que
fizesse parte.
En passant, lembre-se que não só
com ele, outros Ministros têm parentes, filhos, sobrinhos, nos grandes
escritórios de advocacia. Isso é o que chamamos de nepotismo processual.
É preciso acabar o nepotismo processual, porque está em risco a
finalidade maior do Poder Judiciário, que é fazer Justiça.
Ora, se o Poder só está recebendo
nessa instância de cúpula os escritórios dos ricos e dos poderosos, como
é que o julgamento, o discernimento do juiz vai ser a favor dos pobres,
dos injustiçados, dos marginalizados, dos discriminados? Não há como
acontecer. Aí, a grande contradição: o Judiciário, para proteger,
principalmente o Supremo Tribunal Federal, os direitos de todos, na
prática, protege direitos dos poderosos e subtrai o direito dos
pequenos. É duro dizer isso? É duro, mas todos nós aqui estamos sujeitos
a esta injustiça, sem falar nas injustiças macro, que são decisões que
envolvem empresas, causas caríssimas, que são ditas ali sem ter tido uma
divulgação dessas relações perigosas, como aqui se diz, e é bom que se
… (O microfone é desligado.)
Eu quero concluir, portanto,
deixando bem claro que tudo isso que aqui estou abordando busca
aperfeiçoar a democracia, o equilíbrio dos Poderes, o aumento da
transparências das ações dos Poderes. Peço, de fato, que a imprensa do
meu País exerça a verdadeira liberdade de imprensa, porque, na prática, o
grande capital e seus prepostos têm uma influência muito grande naquilo
que a imprensa gosta de divulgar, com as devidas exceções.
Deixo aqui o nosso recado. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Edmar Arruda) –
Deputado Nazareno Fonteles, realmente V.Exa. tem razão. Eu tenho falado
que, dos três Poderes, o Legislativo é o mais transparente, e o desafio
é para que todos sejam assim.
A seguir, reveja os dois
movimentos do bravo advogado Alberto Piovesan para impedir Gilmar Mendes
de continuar Ministro do Supremo :
EXCELENTÍSSIMO SENHOR SENADOR DA REPÚBLICA
PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL
ALBERTO DE OLIVEIRA PIOVESAN,
brasileiro, divorciado, advogado inscrito sob nº 2909 na OABES,
CPF nº 096.845.817/34, residente e domiciliado na cidade
de Vitória, Estado do Espírito Santo, na Rua Bráulio Macedo
nº 80, vem respeitosamente ante Vossa Excelência,
com base na Lei nº 1079, de 10 de abril de 1950, suplicar a
instauração de processo de impeachment em face do Sr.
GILMAR FERREIRA MENDES, ocupante do cargo de Ministro
do Supremo Tribunal Federal, eis que, segundo os anexos,
há indícios de incidência do item 5 do artigo 39 da referida
lei.
Em apartado, as razões desta súplica, indicação
de diligências, de testemunhas e de informantes.
Suplica, respeitosamente, seja instaurado
e dado curso ao procedimento específico, previsto nos arti2
gos 41 e seguintes da Lei Federal nº 1079, de 10 de abril de
1950.
PEDE DEFERIMENTO.
Brasília, 10 de maio de 2011
ALBERTO DE OLIVEIRA PIOVESAN
3
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES SENADORES DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL
“O sentido do juízo político não é o castigo da pessoa
delinqüente, senão a proteção dos interesses públicos
contra o perigo ou ofensa pelo abuso do poder
oficial, negligência no cumprimento do dever ou incompatível
com a dignidade do cargo.” Gonzales
Calderón – Derecho Constitucional argentino,
B.Aires, 1923, 3 v.
É com profundo pesar que o signatário dirige-se ao
Senado da República Federativa do Brasil para pedir providências
em face de um Ministro do Supremo Tribunal Federal
que, como que a desanuviar as objeções que se lhe fizeram
na sabatina a que submeteu-se perante essa Augusta
Casa e que precedeu sua nomeação ao cargo, em exercendo-
o nos primeiros anos demonstrou independência e isenção.
A imprensa livre e independente exerce papel de
fundamental importância no regime democrático. Atualmente
com o concurso da Internet fiscaliza intensamente os Poderes
da República e denuncia os abusos e os desvios de condutas
dos homens públicos. Sem embargo de cometer muitos
erros, intencionais às vezes, a mídia forma opiniões e
conceitos sobre os fatos que divulga.
Fatos graves, divulgados com seriedade, envolvendo
autoridades, não podem ficar sem apuração rápida e rigorosa
por quem de direito, tanto no interesse maior da própria
4
autoridade, quanto no do regime democrático e da população
em geral.
Nos últimos tempos, principalmente a partir de
quando assumiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal,
o Ministro Gilmar Ferreira Mendes tem sido alvo de sérios
questionamentos pela mídia, já tendo sido, até, alvo de requerimentos
de “impeachment” perante essa Augusta Casa.
A credibilidade, como todos sabemos, é um dos requisitos
essenciais para o exercício da Magistratura. O juiz,
com sabedoria diz velho adágio, “…não basta ser honesto, é
preciso também parecer”. Da mesmo forma em que não há
mulher mais ou menos grávida, não há juiz mais ou menos
isento. Ou é, ou está, ou não é e não está, simplesmente. O
juiz tem de infundir confiança nas partes, o do Supremo Tribunal
Federal na população em geral, jamais meia confiança,
jamais dúvida quanto à sua isenção.
A revista PIAUÍ, de circulação nacional, nos números
47 e 48, respectivamente de agosto e setembro de 2010,
publicou extensa e bem elaborada reportagem de autoria de
Luiz Maklouf Carvalho, jornalista há mais de trinta anos, sobre
o Supremo Tribunal Federal, e na de nº 48 revelou e detalhou
relações entre o Ministro Gilmar Ferreira Mendes e
sua mulher, com o Advogado Sergio Bermudes, seu antigo
desafeto – fato público (documento nº 11, em anexo) – até
quando assumiu uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.
5
Os fatos divulgados pela referida reportagem (documento
nº 4, em anexo), são comprometedores. Revelam
recebimento de benesses e outros fatos que põem em dúvida
a isenção, a parcialidade do julgador, configurando violação
a dever funcional, e em conseqüência a incidência do
item 5 do artigo 39 da Lei Federal 1079/1950.
O Advogado citado na reportagem, esclareça-se, é
titular de grande banca de advocacia sediada na cidade do
Rio de Janeiro, com filiais em algumas capitais, e patrocina
centenas de causas no Supremo Tribunal Federal. Emprega
um bom número de advogados, dentre eles filhos de juízes,
desembargadores e ministros em atividade. Emprega também
a mulher do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, na filial
em Brasília.
O requerente quer ressalvar que a impressão que
tem do Ministro Gilmar Ferreira Mendes é de ser ele um jurista
de escol, preparadíssimo e profundo conhecedor das nossas
leis e do Direito.
Entretanto, se verdadeiros os fatos divulgados na
referida reportagem, ocorreu violação de dever funcional que
caracteriza comportamento incompatível com a honra, dignidade
e decoro das funções de ministro, e põem em dúvida
isenção e seriedade do julgador.
E enquanto não apurados devidamente os fatos
narrados na referida reportagem, o Ministro Gilmar Ferreira
6
Mendes deixa de infundir confiança, vale dizer, perdeu a
condição necessária para ocupar o alto cargo.
A referida reportagem informou, dentre outros fatos,
que o Advogado Sergio Bermudes hospeda o Ministro Gilmar
Ferreira Mendes quando este vem ao Rio de Janeiro, e que
já hospedou-o em outras localidades, além de fornecer-lhe
automóvel Mercedes Benz com motorista.
A citada reportagem informou também que o Ministro
Gilmar Ferreira Mendes recebeu de presente, do mesmo
Advogado Sergio Bermudes, uma viagem a Buenos Aires,
Argentina, quando deixou a presidência do Supremo Tribunal
Federal no ano passado (2010). E que o presente foi extensivo
à mulher do Ministro, acompanhando-os o Advogado
nessa viagem.
A citada reportagem informou ainda que o referido
Advogado emprega e assalaria, acima do padrão, a mulher
do Ministro. Evidente que no recesso do lar pode ela interferir
junto ao marido a favor dos interesses do escritório onde trabalha,
e de cujo titular é amiga intima (sempre segundo a citada
reportagem). É o canal de voz, direto e sem interferências,
entre o Ministro e o Advogado.
Se comprovados estes fatos, notadamente a viagem
de presente, ficará configurada violação de dever funcional,
com conseqüente inabilitação para o cargo, eis que
vedado o recebimento de benefícios ao menos pelo Código
7
de Ética da Magistratura, precisamente seu artigo 17 (documento
nº 7, em anexo) .
O que é estranho, e se verdadeiros os fatos, é que
o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, conforme afirmou à reportagem,
não se da por suspeito ou impedido para julgar as
causas que o Advogado Sergio Bermudes patrocina.
Mesmo que suspeito ou impedido se declarasse para
julgar as causas patrocinadas pelo escritório do Advogado
Sergio Bermudes, restaria ainda, o que é deveras preocupante,
e face o divulgado relacionamento entre eles, a possibilidade
de julgar causas nas quais o citado Advogado não
apareça formalmente, mas tenha interesse, e aquelas cujos
resultados influenciarão decisões a serem proferidas em outras
causas patrocinadas pelo referido Advogado. Por exemplo,
um habeas corpus concedido, ou negado, dele não participando
o citado Advogado, poderá influenciar em decisão
cível, esta por ele patrocinada, e parecerá tudo muito normal,
mesmo não o sendo.
Assim, e enquanto não esclarecidos devidamente
os graves fatos divulgados na citada reportagem, todos os
Advogados, todos os jurisdicionados do Supremo Tribunal
Federal, vale dizer todos os cidadãos, ficarão sem segurança
de terem decisões isentas do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.
8
Já antes da mencionada revista Piauí, edição nº 48,
revelar fatos envolvendo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes e
o Advogado Sergio Bermudes, um inusitado comportamento
do Ministro despertou atenção face ser, na ocasião, o presidente
do tribunal maior do país.
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes esteve, e era o
Presidente do Supremo Tribunal Federal, na festa de comemoração
de aniversário do escritório do mesmo Advogado
Sergio Bermudes, realizada em dezembro de 2009 no Hotel
Copacabana Palace no Rio de Janeiro. Nessa festa ficou,
segundo comenta-se, por bom tempo recebendo os convivas
juntamente com o anfitrião. Dentre os convivas, diretores e
proprietários de grandes empresas. Com esse comportamento,
noticiado em jornal de grande circulação, o Ministro conferiu
indevido prestígio ao escritório de um Advogado, o mesmo
Advogado Sergio Bermudes, face a elevada função que
no cargo desempenhava.
Este comportamento não é usual, e não se pode dizer
ser compatível com a dignidade da função ocupada, não
se tendo notícia de um presidente do Supremo Tribunal Federal
ter prestigiado festa promovida por escritório de advocacia,
e por mais amigo que do advogado fosse.
A foto abaixo reproduzida, extraída do jornal O Globo
de 08/12/2009, mostra o Ministro ao lado do Advogado,
na referida festa. Ao lado da foto refere-se o jornal ao minis9
tro como “presidente do STF”. Melhor propaganda, maior
demonstração de prestígio a um só advogado, é impossível.
Afora a indevida propaganda patrocinada pela função
pública a esse Advogado, o fato dele empregar, e bem
remunerando, filhos e parentes de magistrados, além da mulher
do Ministro, faz com que tenha proximidade com julgadores,
e naturalmente isto tem objetivo certo – o de, em tese,
serem as causas que patrocina sempre bem vistas, fato que,
felizmente, esbarra na isenção da maioria que não se deixa,
pelo menos é o que parece, envolver de forma comprometedora
com o referido Advogado.
De qualquer sorte, dúvida e apreensão sempre ficará
a qualquer litigante, se do lado oposto estiver o Advogado
Sergio Bermudes e a causa submetida a pai de alguns de
seus empregados, ou submetida a um “fraterno amigo” cuja
mulher emprega e dele recebe benesses e o hospeda em
suas residências, com fornecimento de automóvel e sabe-selá
o que mais. Evidente que isto não é bom para o Judiciário,
10
e todos nós sabemos, não custa repetir, que o juiz, assim
como a mulher de César, não basta ser honesta, é preciso
parecer.
É por essas razões que impõe o Código de Ética
da Magistratura Nacional (documento nº 7, em anexo), ser
dever funcional dos magistrados portar-se de modo a não
causar dúvidas quanto à sua isenção.
O requerente afirma que não é contrário a amizades
e sabe que há mais facilidade de estabelecer-se entre pessoas
do mesmo ramo de atividade. Mas amizade não pode
gerar benefício econômico a um juiz, nem ao advogado, pois
isto pressupõe contra-partida, e induz que se de um amigo
recebe presentes e vantagens, de outro também poderá receber,
ficará vulnerável, e se favorece um amigo, outro também
poderá favorecer, enfim todos seus julgamentos passam
a conter, mesmo que não a tenha, a jaça de parcialidade
face estar sepultado o elemento confiança.
Em novembro de 2005 o Ministro Gilmar Ferreira
Mendes afirmou numa entrevista concedida ao site Consultor
Jurídico (documento nº 2), e que pode ser vista na Internet1:
(grifos não do original)
No país em que “corrupção” é chamada de
“caixa dois” e em que se tenta tomar um crime
pelo outro como forma de política, ele prefere o
1 http://www.conjur.com.br/2005-nov-16/ministro_gilmar_mendes_ninguem_soberano
11
discernimento. Para Mendes, as decisões da
Justiça brasileira deveriam ser até mais debatidas
do que são, inclusive as do STF, que, alerta
ele, também não é absoluto. E tem a sua
máxima sobre as democracias: “No Estado de
Direito, não há soberano. Ninguém pode exercer
suas atribuições de forma ilimitada, nem
mesmo o STF. Temos de criar instrumentos de
crítica, auto-regulamentação e controle externo”
Uma Land Rover dada como “presente” também
é caixa dois de campanha? O leitor já deve
ter ligado o mimo à pessoa. Silvio Pereira,
então secretário-geral do PT, recebeu a “doação”
da GDK, uma empresa que fazia negócios
com a Petrobras, onde o beneficiado pelo agrado
tinha uma rede de influências. Depois da
revelação, o moço saiu da vida política e, com
certeza, prefere não ser lembrado pela história.
Era ainda o começo do desmonte de uma gigantesca
farsa. A pergunta que abre este texto
foi feita por Gilmar Ferreira Mendes, que completa
50 anos no mês que vem e é o mais jovem
integrante do Supremo Tribunal Federal
(STF). Tratava-se de uma indagação retórica.
Não! Land Rover, nas circunstâncias dadas, é
corrupção. A exemplo de caixa dois, é crime.
Mas é outro crime.”
12
Assim como não podia ser recebido um presente
uma pessoa que tinha influência em uma determinada empresa
onde o doador tinha interesses, não pode um Ministro
do Supremo Tribunal Federal receber uma viagem de presente
de ninguém, e viagem internacional, notadamente de
um advogado que milita no tribunal e tem causas sob sua
apreciação.
Para evitar situações constrangedoras, e para recuperar
e preservar a reputação da Justiça, o Conselho Nacional
de Justiça quando presidido pelo Ministro Gilmar Ferreira
Mendes editou, em 19 de setembro de 2008, o Código de
Ética da Magistratura Nacional (Resolução nº 60, DJ-e, Edição
57, de 30/09/2008, documento nº 7), ao qual submetemse,
sem exceção, TODOS os juízes brasileiros, vale dizer o
próprio Ministro, o que está até afirmado no artigo 16 do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal2.
Eis alguns artigos do referido Código de Ética (os
grifos não são do original):
.
Art. 5 – Impõe-se ao magistrado pautar-se no
desempenho de suas atividades sem receber
indevidas influências externas e estranhas à
justa convicção que deve formar para a solução
dos casos que lhe sejam submetidos.
2 Art. 16 – Os Ministros têm as prerrogativas, garantias, direitos e incompatibilidades
inerentes ao exercício da magistratura.
13
Art. 8 – O magistrado imparcial é aquele que
busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade
e fundamento, mantendo ao longo de
todo o processo uma distância equivalente das
partes, e evita todo o tipo de comportamento
que possa refletir favoritismo, predisposição ou
preconceito.
Art. 16 – O magistrado deve comportar-se na
vida privada de modo a dignificar a função,
cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional
impõe restrições e exigências pessoais
distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Art. 17 – É dever do magistrado recusar benefícios
ou vantagens de ente público, de empresa
privada ou de pessoa física que possam comprometer
sua independência funcional.
Art. 37 – Ao magistrado é vedado procedimento
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro
de suas funções.
Segundo a reportagem publicada na Revista Piauí,
edição nº 48, o comportamento do Ministro Gilmar Ferreira
Mendes quem, data vênia, deveria dar o exemplo a todos os
juízes, não esteve conforme os dispositivos acima transcritos.
14
Não se há colocar em dúvida, porque não se pode
ter certeza do contrário, que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes
recebe influências de sua mulher (recordemos – empregada
com altíssimo salário do Advogado Sergio Bermudes,
que pode dispensá-la quando quiser) quando no recesso do
lar, à convicção que deve formar sobre casos sob sua responsabilidade
e do interesse, visível ou não, do escritório
que tão bem a remunera. Como disse conhecido advogado,
na já citada reportagem, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes
recebe “embargos auriculares” freqüentemente. E certamente
não desagradaria sua mulher. Isto colide com o artigo 5º
acima transcrito.
O estreito relacionamento do Ministro Gilmar Ferreira
Mendes com o Advogado Sergio Bermudes, público e publicado,
induz favoritismo e até predisposição. Acessível ao
advogado a qualquer dia e hora, ao contrário dos demais advogados
que têm de agendar audiência para falar com os
ministros do Supremo Tribunal Federal e em tempo limitadíssimo,
esse acesso fácil induz favoritismo ao menos quanto à
oportunidade de falar-se com o ministro, de a ele expor de
viva voz a causa, o direito. O Advogado Sergio Bermudes
nem precisa expor suas causas ao amigo Ministro Gilmar
Ferreira Mendes, basta disso encarregar a própria mulher do
ministro a qual, certamente, tem interesse nos resultados das
causas do escritório no qual consta ser assalariada. Isto está
em desacordo com o artigo 8º acima transcrito.
15
Evidentemente que a outra parte no processo fica
em desvantagem, em posição desfavorável, o que significa
ao reverso o franco favoritismo, vedado ao menos pelo Código
de Ética da Magistratura. Tanto que qualquer causa, até a
de alguns dos Srs. Senadores, nas mãos do Ministro Gilmar
Ferreira Mendes pode sofrer indevida influência acaso dela
participe em pólo oposto direta ou indiretamente o advogado
Sergio Bermudes, ou alguém de seu populoso escritório.
Como publicado, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes
em dezembro de 2009, e quando Presidente do Supremo
Tribunal Federal, compareceu à festa de aniversário do escritório
do Advogado Sergio Bermudes, no Hotel Copacabana
Palace, no Rio de Janeiro. É certo que, a rigor, não havia impedimento
de o Sr. Ministro comparecer discretamente à tal
festa. Esse comportamento, entretanto, é fato inusitado, tanto
que não se tem notícia de outro Presidente do Supremo
Tribunal Federal, ou qualquer de seus Ministros, ter participado
de festa de escritório de advogado, mesmo daqueles
com os quais porventura mantém relação normal de amizade.
Também não poderia, ao menos não deveria, o Ministro
Gilmar Ferreira Mendes receber, juntamente com o anfitrião,
os convivas na entrada, com o que emprestou indevido prestígio
a um advogado, sem se dar conta de que a liturgia de
seu cargo – relembre-se, na época Presidente do Supremo
Tribunal Federal – impunha restrições e exigências pessoais
distintas das acometidas aos cidadãos em geral. Demonstrou
então o Presidente da mais alta corte do país, até ao mais
desatento, de junto a ele gozar de prestigio o escritório do
16
advogado, e em conseqüência suas causas. Esse comportamento
não está conforme o artigo 16 acima transcrito.
É dever de todo magistrado recusar benefícios ou
vantagens de qualquer pessoa, que possam comprometer
sua independência funcional. O Ministro Gilmar Ferreira
Mendes jamais poderia receber as benesses reveladas na
reportagem da Revista Piauí, edição nº 48, do Advogado
Sergio Bermudes, ou de qualquer outro que tenha interesses
em causas sob responsabilidade, tanto como relator, como
julgador em órgão colegiado, onde pode modificar convicções
e influir decisivamente nos resultados dos julgamentos.
O artigo 17, acima transcrito, veda este comportamento, eis
que compromete independência funcional.
Os comportamentos infringentes do Código de Ética
da Magistratura Nacional são incompatíveis com a dignidade,
a honra e o decoro das funções de magistrado, o que é vedado
pelo artigo 37 acima transcrito.
Pelo fato de receber benesse de um advogado, fato
este que só foi tornado público após decisão do Conselho
Nacional de Justiça, esse Conselho recentemente (em março
do corrente ano de 2011) aposentou compulsoriamente um
juiz. O fato que deu causa à aposentadoria foi o juiz pagar
aluguel considerado simbólico pelo uso de um apartamento
de luxo de propriedade de um advogado. Destaca-se que,
segundo a notícia da decisão, não houve prova de favorecimento
ao advogado em um único processo, mas considerou17
se que relação de amizade não pode gerar benefício econômico,
sob pena de caracterizar violação de dever funcional.
Assim o portal Consultor Jurídico noticiou esse caso
(http://www.conjur.com.br/2011-mar-15/cnj-pune-juiz-aluguelsubsidiado-
advogado): (documento nº 3) (grifei)
“terça, dia 15 março de 2011
CNJ decide aposentar compulsoriamente juiz
do TRT-3
POR RODRIGO HAIDAR
Juízes podem ser amigos íntimos de advogados
e, inclusive, julgar seus processos. O que o
magistrado tem de evitar é que essa amizade
produza qualquer tipo de benefício econômico.
Com base nesse entendimento, o Conselho
Nacional de Justiça decidiu aposentar compulsoriamente,
nesta terça feira (15/3), o juiz Antônio
Fernando Guimarães, do Tribunal Regional
do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais).
De acordo com o processo, o juiz mora em um
apartamento de 380 metros quadrados, em
bairro nobre de Belo Horizonte, e paga aluguel
simbólico de R$200 por mês. O dono do apartamento
é o advogado João Bráulio Faria de
Vilhena, sócio do Escritório Vilhena & Vilhena
Advogados.
O juiz é amigo de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena,
pai e sócio de João Bráulio. De acordo
com o conselheiro Jorge Hélio, em oitiva, o
magistrado afirmou ter Paulo Emílio como um
pai. O juiz julgava com frequência casos do escritório
dos Vilhena.
“Um magistrado pode ser amigo íntimo de advogado.
Isso é uma coisa. Outra coisa é que
18
essa amizade produza feitos de ganho econômico.
Não vamos inaugurar um marcathismo
(sic) judicial tupiniquim, mas vantagens econômicas
não são vantagens meramente afetivas.
Sempre exigem o princípio da reciprocidade”,
afirmou Jorge Hélio.
….
“O Judiciário não é composto de anjos. Nenhuma
corporação humana é. É precisamente
por isso que o magistrado deve manter-se distante
de casos que possam influir em sua imparcialidade”,
afirmou Jorge Hélio. Segundo ele,
mesmo que não se descreva o efetivo favorecimento
de uma parte, a violação do dever
funcional está demonstrada.
…..”
Segundo a já referida reportagem da revista Piauí, o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes tem também estreito relacionamento
com o proprietário do influente portal “Consultor
Jurídico”, e privilegiou-o.
Esse portal edita anualmente um tal “Anuário da
Justiça”, que é também comercializado, o qual passou a ser
lançado nos domínios do Supremo Tribunal Federal desde
quando o Ministro Gilmar Ferreira Mendes era seu Vice-
Presidente. Esse privilégio, a ocupação de espaço público
em favor de particular, a ninguém foi, e nem pode ser concedido.
Esse portal já publicou artigo do mesmo advogado Sergio
Bermudes em defesa do Ministro Gilmar Ferreira Mendes
em 15 de março de 2007 (documento nº 1 – título da matéria
19
– “O ministro, os procuradores, e agora, os jornalistas”3), na
qual refuta reportagem do jornal Folha de São Paulo de 11
do mesmo mês e ano. Em suma, parece que o privilégio gera
agradecimento e, no mínimo, perplexidade, não podendo
nem devendo o poder público privilegiar ninguém, como bem
observou o Professor Conrad Hübner Mendes, da Universidade
de São Paulo, em opinião constante na aqui referida
reportagem inserta na Revista Piauí, edição nº 48.
A perplexidade aguça-se ao saber que, segundo a
referida reportagem, os anunciantes e patrocinadores desse
“Anuário da Justiça” tem causas no Supremo Tribunal Federal,
o que torna ainda mais estranho o privilégio concedido ao
particular.
A referida reportagem publicada na revista PIAUÍ,
edição nº 48, de setembro de 20104, consta ser de autoria de
Luiz Maklouf Carvalho, jornalista há mais de trinta anos, na
qual revelou e detalhou o relacionamento extremamente íntimo
entre o Ministro Gilmar Ferreira Mendes e sua mulher
com o Advogado Sergio Bermudes, e também com o proprietário
do portal “Consultor Jurídico” (documento nº 4 anexado
a esta petição), Essa minuciosa reportagem foi, segundo dela
consta, elaborada com base em entrevistas, em vários telefonemas
supostamente presenciados, diálogos, e afirmações
posteriores. Detalha também a reportagem os lances
que antecederam o casamento do Ministro com sua atual
3 http://www.conjur.com.br/static/text/53714
4 http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-48/questoes-juridicas/o-supremoquosque-
tandem
20
mulher, induzindo ser inteiramente subserviente a ela que é,
relembre-se, assalariada do escritório do Advogado Sergio
Bermudes.
A reportagem levanta também, tal e qual outras
manifestações existentes na Internet, e uma delas será mais
adiante mencionada, dúvidas quanto à real posição do Ministro
Gilmar Ferreira Mendes com o IDP – Instituto de Direito
Público, sediado em Brasília-DF, pondo em dúvida se é ou
não seu principal dirigente de fato, embora formalmente não
o seja de direito, o que é vedado pela legislação específica
aos magistrados.
Se os fatos revelados na reportagem envolvessem
juiz de 1ª ou 2ª instância, ou até de outro tribunal, todos bradariam
serem gravíssimos e precisando ser rigorosamente
investigados, impondo-se severas punições ao juiz e desde
logo seu afastamento.
Todavia, o silêncio de todos em relação aos fatos
tratados na citada reportagem, e em outras mais, é ensurdecedor,
mas compreensível. Certamente em função de poucos
acreditarem que alguma providência seria tomada, eis
que é grande o poder dos envolvidos, parecendo que tem
ligações influentes com pessoas que gravitam em torno dos
poderes da República, e também com parte da mídia nacional
(o Advogado Sergio Bermudes é um dos principais advogados
da rede Globo, possibilitando esconder fatos desfavoráveis
e promover ou destruir quem lhes interessar).
21
A citada reportagem refere-se também a duas decisões
liminares do Ministro Gilmar Ferreira Mendes mandando
soltar o conhecido banqueiro Daniel Valente Dantas.
O fato de o caso envolver um conhecido banqueiro,
e o de ser mais comum o Supremo Tribunal Federal não aceitar
habeas corpus contra decisão de outro tribunal que ainda
não examinou o caso5, e ainda o fato de terem sido deferidas
duas liminares em tempo recorde, diretamente revogando
ordens de prisão de 1ª instância não examinadas nem
pela 2ª, nem pela 3ª, tudo isto provocou forte impacto.
Profusão de notícias e de opiniões abordaram essas
decisões sob vários aspectos, algumas induzindo suspeitas
face o estreito relacionamento do Ministro Gilmar Ferreira
Mendes com o advogado Sergio Bermudes, e deste com o
banqueiro por vários anos, titular de empresas que lhe remunerara
com polpuda importância, mais de 8 milhões de reais,
conforme informações facilmente colhíveis na internet. Não
se afirma, mas supõe-se com facilidade que o advogado
Sergio Bermudes seria informalmente acionado para a favor
do banqueiro, e sem aparecer nos papéis, tentar interferir
junto ao ministro seu amigo.
Certamente que todos negarão o fato, e nem há
como provar o contrário, mas a suposição suspeitosa fica in-
5 Súmula 691-STF – Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de
habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus
requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
22
delével, acirrada pelo fato de antiga colaboradora do banqueiro
constar ser atualmente consultora do escritório do Advogado
Sergio Bermudes6.
E mais acirrada fica a suposição, face a revelação
feita pelo próprio ministro à reportagem já referida, de que
antes de deferir a primeira liminar recebeu uma ligação da
“Guio”, que vem a ser sua mulher Guiomar (assalariada do
escritório de Sergio Bermudes) informando que queriam
prender até uma jornalista, com isto supostamente influenciando
sua decisão.
Pesquisas na internet revelam que as ligações do
advogado Sergio Bermudes com o citado banqueiro são antigas.
Colhe-se a informação numa fonte confiável, qual seja
“O Estado de São Paulo” – documento nº 57, com este teor:
(grifei)
“Sexta-feira, 11 de Março de 2005, 17:29 | Online
Daniel Dantas presta depoimento amanhã a
tribunal lodrino (sic)
O presidente do Opportunity, Daniel Dantas,
deve prestar depoimento amanhã junto à Corte
Internacional de Arbitragem, que decidirá o
possível retorno da Telecom Itália ao bloco de
controle da Brasil Telecom.
O advogado de Dantas, Sergio Bermudes,
reiterou hoje que o banqueiro não pretende falar
sobre a decisão do Citibank de afastar o
6 Dra. Elena Laudau, constando como consultora na página do escritório de
Sergio Bermudes, na internet
7 http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2005/not20050311p6696.htm
23
banco de investimentos da gestão do CVC/
Opportunity Equity Partners, o CVC estrangeiro.
Com isso, o Citibank afastou o Opportunity
do controle de companhias como a Brasil Telecom
e a Telemig Celular.
………..”
As posteriores manifestações de solidariedade emprestadas
ao Ministro, em função das notícias nem sempre
elogiosas sobre as tais liminares, certamente não foram capazes
de remover a impressão negativa inicial de muitas
pessoas sobre os eventos.
Transcreve-se em seguida trechos da reportagem
publicada na revista Piauí, edição 48 (integra dessa reportagem
em anexo, documento nº 4), produzida com base em
observações, documentos e entrevistas, dentre outros, com
o próprio Ministro Gilmar Ferreira Mendes e sua mulher, dias
depois de deixar a Presidência do Supremo Tribunal Federal:
“……………..
“Nunca falei com Daniel Dantas, nem pessoalmente
nem pelo telefone, conheço-o de ver na
tevê, como todo mundo”, disse o ministro Gilmar
Mendes na cabeceira da mesa de seis lugares
no seu gabinete. Não fazia nem um mês
que deixara a presidência do Supremo. Andava
distante dos microfones da imprensa e mais calado
nas sessões, mas disse se sentir “muito
bem, com a sensação do dever cumprido”. Tirante
o ministro Joaquim Barbosa, acha que a
sua gestão contou com a aprovação dos colegas,
do mundo jurídico e da grande imprensa.
Citou como exemplos os editoriais elogiosos do
Estado e da Folha de S.Paulo.
24
Duas semanas antes de deixar o cargo, Mendes
fez um périplo por três capitais do Nordeste
num dia só. Visitou projetos sociais do Conselho
Nacional de Justiça, também presidido por
ele. Um dos projetos que incrementou foi o dos
mutirões carcerários, que, segundo números do
CNJ, libertaram 20 mil presos em condições irregulares
em todo o país.
“Sentimos que mandamos bem”, disse o ministro,
tranquilo e sem sapatos, no jatinho oficial.
“Avançamos muito no processo eletrônico, que
tem diminuído bastante o acúmulo de processos.
O STF hoje é o tribunal mais respeitado do
país. E evitamos um namoro explícito com o
estado policial. Havia um quadro explosivo que
nos levava a um modelo em que a polícia mandava
no Ministério Público e em juízes da primeira
instância. Era preciso arrostar esses abusos.
E eu tive medo de ter medo.”
É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas,
alvo da Operação Satiagraha. Mendes mandou
soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas
corpus quando o juiz Fausto de Sanctis quis
manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes
considerou que o juiz, erradamente, se subordinara
ao Ministério Público e ao delegado
encarregado da investigação, Protógenes Queiroz.
De Sanctis não quis dar entrevista a respeito:
“Por impedimento legal não posso falar
de fato concreto, as decisões falam por si”, disse-
me ele.
“Juiz é elemento de controle do inquérito, não é
sócio da investigação”, afirmou Gilmar Mendes,
sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes
de sua primeira decisão: “A Guio me ligou,
dizendo que podiam prender até a Andréa
Michael, da Folha de S.Paulo. O governo estava
de cócoras em relação aos abusos da polícia.
Eu tinha que dar um basta naquilo, fosse
25
Daniel Dantas ou fosse qualquer um.” “Guio” é
Guiomar Mendes, esposa do ministro.
……..
Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este
era advogado-geral da União e auxiliava o ministro
Nelson Jobim, da Justiça, em questões
indígenas. “Tive uma péssima impressão dele
nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo
os índios, e ele desenvolvendo uma
argumentação típica de grileiro de luxo, de
quem vê o índio como empecilho ao desenvolvimento
nacional”, disse. “Depois houve uma
denúncia, da revista Época, mostrando que ele,
na Advocacia-Geral da União, contratava o seu
próprio estabelecimento de ensino para dar
cursos a servidores de lá. Para mim, isso é corrupção.”
Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de
S.Paulo um artigo, “Degradação do Judiciário”,
com essas e outras acusações. “Se essa indicação
vier a ser aprovada pelo Senado, não há
exagero em afirmar que estarão correndo sério
risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate
à corrupção e a própria normalidade constitucional”,
diz um dos trechos. O argumento
técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada,
exigência constitucional para o posto.
Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes
pediu que o procurador-geral da República o
defendesse. O procurador entrou com uma ação
penal contra Dallari pelos crimes de injúria
e difamação. Enquanto o processo tramitava, o
Senado aprovou a indicação de Mendes, com
quinze votos contrários, de um total de 72, um
número bastante alto. O juiz federal Sílvio Luís
Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de
Dallari se enquadrava no adequado direito de
crítica, sem configurar ofensa à honra, e de26
terminou o arquivamento do caso. Mendes não
recorreu.
“Não retiro uma vírgula do que escrevi”, disse
Dallari exibindo a sentença. Ao contrário de
Reginaldo de Castro, continua a criticar Mendes:
“A gestão dele como presidente foi muito
negativa, com excesso de personalismo. Em
busca de autopromoção, agiu como um verdadeiro
inquisidor.”
Mesmo depois da viagem de três capitais nordestinas
em um só dia, que terminou de madrugada,
Gilmar Mendes estava a postos na
manhã seguinte, um sábado, dando uma aula
no Instituto Brasiliense de Direito Público. O
IDP é uma faculdade particular que fica numa
área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela
pertence a três professores: Inocêncio Coelho,
Paulo Branco e Gilmar Mendes. “É tudo perfeitamente
constitucional”, ele disse, acrescentando
que constituiu os advogados Sepúlveda
Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo
contra publicações e jornalistas que afirmaram
ou insinuaram o contrário.
“Eu tenho que vir, porque muitos se matriculam
por causa do meu nome”, disse o ministro durante
o intervalo. “Querem ter uma aula com o
presidente do Supremo.” A aula daquela manhã
durou três horas e teve quinze alunos como
espectadores. De maneira profunda e didática,
ele falou sobre o controle de constitucionalidade,
tema das suas dissertações de mestrado
e doutorado na Universidade de Münster, na
Alemanha. Deu vários exemplos citando casos
do próprio Supremo.
Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim
Falcão, professor de direito constitucional
da Fundação Getulio Vargas, foi juizconselheiro
do Conselho Nacional de Justiça.
Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma
27
representação contra o juiz Ari Ferreira de
Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócioproprietário
do Instituto de Ensino e Pesquisa
Científica, uma escola semelhante à de Gilmar
Mendes, embora mais modesta. A representação
visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente,
juiz e dono de uma faculdade.
No seu despacho, Joaquim Falcão afirmou que
“nos Estados Unidos, o juiz não pode emprestar
o prestígio de seu cargo para promover interesse
privado”. E se perguntou: “Pode um juiz
contribuir com o prestígio de seu cargo, que é
público, para beneficiar os interesses privados
seus e/ou de outros?”
Para responder, foi ao artigo 36, inciso I, da Lei
Orgânica da Magistratura: “É vedado ao magistrado
exercer o comércio ou participar de sociedade
comercial, inclusive de economia mista,
exceto como acionista ou cotista.” O juiz Queiroz
– ou o ministro Gilmar Mendes – se enquadrariam
nessa exceção. Mas não para Joaquim
Falcão. Ele sustentou que o juiz pode participar
numa sociedade comercial “exclusivamente
como acionista ou cotista, ou seja, de forma
não individualizável. De modo que a pessoa física
não se utilize do prestígio gozado pelo
magistrado como titular de um cargo público”.
Portanto, um juiz pode ser acionista e cotista
numa sociedade comercial em que sua propriedade
esteja diluída e seja anônima. Quando o
juiz é reconhecido como proprietário individual
de uma sociedade comercial, segundo Falcão,
ele “está claramente exercendo ato de empresa,
já que o prestígio de seu cargo está sendo
utilizado para buscar lucros, contrariando, portanto,
as proibições legais”.
Na decisão, Falcão determinou “o imediato
desligamento do magistrado de sua qualidade
de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem
do magistrado e do Instituto”. O juiz Quei28
roz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão
não levou a questão ao plenário do Conselho
Nacional de Justiça, presidido por um dos
sócios proprietários do Instituto Brasiliense de
Direito Público? Porque Falcão achou que Gilmar
Mendes teria maioria dos votos a seu favor.
“Ministro, não me queira, não: é fria para o senhor”,
disse, com forte sotaque cearense, Guiomar
Feitosa de Albuquerque Lima para o ministro
Marco Aurélio Mello. Bacharel em direito,
formada na mesma turma de Gilmar Mendes, a
doutora Guiomar era, naqueles meados de
1995, chefe de gabinete de um ministro do Tribunal
Superior do Trabalho. Na época em que
esteve no mesmo tribunal, Marco Aurélio ficou
bem impressionado com a competência da
doutora Guiomar e a convidou para trabalhar
com ele quando foi para o STF.
“Eu trabalho com seis coisas: amor, humor,
garra, organização, método e celeridade”, explicou
Guiomar ao contar a história. Como era
isso que Marco Aurélio queria, ele não entendeu.
E ela explicou: “É fria porque eu tenho
dois defeitos graves e um gravíssimo.” O ministro
ouviu os graves: “Eu fumo em recinto fechado”
e “Sou insolente, questiono ordem e
vou bater de frente com o senhor.” Marco Aurélio
relevou o primeiro e elogiou o segundo. Guiomar
expôs o defeito gravíssimo: “Eu gero dependência.”
Deve ser verdade, pois ela trabalhou
com Marco Aurélio por muitos anos.
Guiomar conheceu Gilmar Mendes no segundo
semestre de 1975, quando se transferiu da faculdade
de direito de São João da Boa Vista,
no interior paulista, para a Universidade de
Brasília. Tinha 23 anos e estava grávida do terceiro
filho de seu primeiro marido, um capitão
aviador da Força Aérea Brasileira. Mendes,
quatro anos mais novo, também estudava direi29
to na UnB. Ficaram amigos, sem nenhuma
sombra de interesse sentimental. Formados,
cada qual tocou sua vida. Mendes teve uma
breve passagem pelo Itamaraty, estudou na Alemanha,
casou, teve dois filhos, separou-se,
serviu aos governos Collor e Fernando Henrique,
e virou ministro do Supremo. Guiomar teve
mais quatro casamentos, e outros dois filhos,
passou em um concurso para a Advocacia-
Geral da União e foi assessora de dois ministros
da ditadura, Petrônio Portella e Ibrahim
Abi-Ackel.
Um dia, ambos separados, Mendes propôs que
a velha amizade virasse namoro. “Não dá, tu é
o Chico, meu irmão”, ela disse, referindo-se ao
ex-deputado federal Francisco Feitosa, seu irmão.
O juiz continuou insistindo, mas ela só
aceitava convites para almoçar. Até que um dia,
em 2001, foram jantar na Academia de Tênis.
Ele era advogado-geral da União, no governo
de Fernando Henrique, e ela estava no
Supremo com Marco Aurélio. “Quero não, Gil”,
continuava a dizer. Mas o ministro já se fizera
gostar pelos filhos e pela mãe dela.
Ficaram noivos em 13 de agosto de 2002, dia
do aniversário de Guiomar, numa festa para
poucos na casa dela. Um dos convidados foi
Marco Aurélio, que não queria perder a funcionária
exemplar. Mas o noivo, que há poucos
meses se tornara ministro do Supremo, queria
justamente tirá-la da função para afastá-la de
Marco Aurélio, enciumado que estava do colega.
Na festa, provocador emérito que é, Marco
Aurélio fez um discurso em que botou Guiomar
nas nuvens, tantos foram os elogios. E o encerrou
com um seco: “Agora é com você, Gilmar.”
Mendes fez o discurso, mas, segundo a própria
Guiomar, retirou-se da festa pouco depois, irritado.
30
Trabalhar com Marco Aurélio tornou-se um
problema na vida de Guiomar. Mendes não aceitava.
Muitas vezes, telefonava do carro oficial,
na frente do Supremo, no fim do expediente,
e dizia: “Guio, estou aqui embaixo te esperando,
desce.” Ela explicava que ainda estava
trabalhando com Marco Aurélio. “Diz para ele te
liberar porque eu estou esperando.” “Era um inferno”,
ela contou. “Quando eles discutiam nas
sessões, o que era frequente, sobrava para
mim.”
Mendes deu então um ultimato: ou ela deixava
de trabalhar com Marco Aurélio, ou o noivado
terminava ali. O noivado terminou. Tempos depois,
o ministro casou-se com uma advogada
que fora sua aluna. Guiomar não se casou.
Quatro anos depois, abatido por uma separação
litigiosa que lhe custou, conforme afirmou
Guiomar, “alguns bois”, Mendes voltou à carga.
Enfrentou uma geleira de mágoa e indiferença.
Como insistisse, com recados, ela lhe mandou
dizer, a sério, que consentiria em vê-lo – mas
só dali a vinte anos. O ministro ganhou uma aliada
importante, Carminha, que vem a ser a
ministra Cármen Lúcia. Depois de muito esforço
para amansar Guiomar, a ministra conseguiu
colocá-los frente a frente, numa sala de
sua casa, e pediu que se entendessem. Não foram
longe naquele dia, mas deram o primeiro
passo. O segundo foi um presente romântico, e
caro, do ministro: um chalé à beira do Lago
Norte, que lhe mostrou numa noite enluarada.
A trilha sonora da reaproximação foi providenciada
por um amigo de ambos, o jornalista
Márcio Chaer. Num dia em que Mendes tentava
desesperadamente reconquistar Guiomar,
Chaer lembrou-se de uma música e a indicou à
amiga, que arrefeceu.
31
Acendendo seu décimo cigarro daquele dia,
Guiomar interrompeu a entrevista e foi colocar
a música para tocar, alto. Ouviu-a inteira, enlevada,
e comentou que era linda. Antes que retomasse
a história, atendeu uma ligação do ministro
José Antonio Dias Toffoli: “Oi, meu amigo,
estou com saudade de você. Vou. Vou
mesmo. Obrigado.” Era um convite para uma
reunião que Toffoli daria em sua casa. Também
ligou, pela terceira vez, o advogado Sergio
Bermudes. “Oi, meu irmão, meu amigo querido”,
atendeu Guiomar.
Eles se casaram em outubro de 2007. Moram
em casas separadas, ambas no Lago Sul. Guiomar
dorme na dele, e volta todas as manhãs
para a sua, onde mora com dois filhos. A segurança
do Supremo vigia as duas em tempo integral.
O marido é desligadíssimo, ela disse.
Quando atende ao telefone no quarto do casal,
o ministro belisca castanhas salgadas que ela
deixa à disposição. “Uma vez eu substituí por
ração de cachorro, e ele comeu do mesmo jeito,
tive que correr para não deixar ele engolir a
próxima”, Guiomar contou.
……
Guiomar Mendes era, até o ano passado, a secretária-
geral do Tribunal Superior Eleitoral,
presidido pelo ministro Ayres Britto. Um e-mail
anônimo o informou que um funcionário de cargo
de confiança era primo de Gilmar Mendes,
configurando nepotismo cruzado. Ayres Britto
devolveu o funcionário ao cargo de origem.
Guiomar não gostou. Foi a Britto, disse que o
parentesco era de sexto grau e avisou: “O senhor
é conhecido por ser uma pessoa boa, mas
isso não se faz, e estou indo embora.” Um mês
depois, foi-se.
“Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só
que o Sergio me aperreou”, contou Guiomar, a
32
essa altura no 15º cigarro do dia. Já era noite e
um novo telefonema interrompeu a entrevista.
Era, por coincidência, do Sergio que a aperreara,
o Bermudes, no seu quarto telefonema do
dia. “Ô meu amigo, ô meu irmão”, repetiu Guiomar.
Encerrada a ligação, ela explicou: “Conheço o
Sergio há muitos anos, desde que entrei no
STF. É o irmão mais velho que eu não tive e eu
sou louca por ele. Às vezes, ele brincava: ‘Dou
1 milhão pra você ir trabalhar comigo.’ Quando
me viu aposentada, me aperreou. Queria que
eu cuidasse da gestão do escritório dele de
Brasília. Eu relutei, mas acabei experimentando,
por dois dias. Não vi muito o que fazer por
lá e coloquei o cargo à disposição. Ele insistiu,
continuei mais uma semana, organizei as coisas
do meu jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos,
14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão
do escritório. Não advogo, mas talvez venha
a advogar.”
Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram
pelo ódio. O primeiro, quando advogado-geral
da União, chamou o segundo – renomado professor
de direito e dono de respeitada banca
cível no Rio – de “chicanista” em um programa
de televisão. Bermudes é dos que mandam
cartas. A que enviou a Mendes tinha os seguintes
trechos:
Gilmar, você agrediu-me brutalmente; agrediu,
virulentamente, os processualistas; agrediu os
advogados brasileiros e conspurcou a dignidade
do cargo que imerecidamente ocupa.
Insistindo em mostrar as patas, você, muito
obviamente, questionou a minha seriedade
profissional.
Minha esperança é que você deixe o cargo que
ocupa e que não merece por causa do seu desequilíbrio,
do seu destempero, da sua leviandade,
e que abdique da sua propalada preten33
são de alcançar o Supremo Tribunal Federal,
onde se requer, mais que um curso no exterior,
reflexão e serenidade, em vez do açodamento
e da empáfia que você exibe.
Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam
reconciliado. “Nunca falamos sobre isso até hoje”,
respondeu. Contou que no primeiro encontro
que tiveram, ambos palestrantes de um
simpósio universitário, cumprimentaram-se como
se nada tivesse acontecido. Depois, ele
mandou um livro de presente; e Mendes mandou-
lhe outro. A raiva virou amizade.
“O Gilmar e eu somos irmãos, nos falamos duas
vezes por dia”, disse o advogado. “A gente
brinca, ri, sou advogado dele em algumas
questões. Somos dois homens de boa-fé e de
caráter que podem suplantar uma eventual divergência.”
A sua opinião profissional sobre o
outro também melhorou: “Gilmar é o maior ministro
que o STF já teve em todos os tempos.
Trouxe a corte para junto do povo. Nenhum ministro
falou tanto nem tão bem. Suas palavras
fizeram o homem comum acreditar na Justiça.
Ele é o maior constitucionalista do Brasil.”
Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos
de Sergio Bermudes no Rio, no Morro
da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida.
Também usam a sua Mercedes-Benz, com o
motorista. Logo depois da solenidade de transferência
da presidência do Supremo para Cezar
Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram
em uma viagem de cinco dias a Buenos Aires –
presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.
Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar
de julgar os processos do escritório de
Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo –
são dezenas, e ele é o relator de alguns. “De
jeito nenhum”, ele respondeu. “Nesse caso
também teria que me declarar suspeito nos
34
processos do Ives Gandra, que escreveu livros
comigo, e de outros advogados que são meus
amigos.” Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar
no escritório de Bermudes? “Isso não é
motivo”, respondeu. Citei uma frase que ouvi
do advogado Reginaldo de Castro: “O Gilmar
dorme todo dia com embargos auriculares.”
Mendes riu, desdenhoso. Guiomar consultou o
marido sobre a proposta de trabalho de Bermudes.
“Ele não viu qualquer problema, e não
há qualquer problema”, ela disse. “O ministro
Marco Aurélio, por exemplo, não se declara
suspeito quando a causa é do escritório Ulhôa
Canto, onde trabalha sua filha.” Depois de uma
tragada, complementou: “É verdade que o ministro
Britto se declara suspeito no caso do
genro, desde quando ele era namorado da filha,
e que o Toffoli proibiu a namorada de atuar
lá. Mas aí já é um exagero.”
Em sua sala na Fundação Getulio Vargas, de
onde se tem uma vista deslumbrante do Pão de
Açúcar, Joaquim Falcão lembrou um episódio
ocorrido quando o presidente Barack Obama
indicou Sonia Sotomayor para a Suprema Corte.
Encarregado de avaliar a candidata, o Senado
pediu que ela respondesse por escrito se
haveria alguma situação em que teria dificuldades
em julgar. Sotomayor respondeu que se
declararia impedida em casos que envolvessem
uma universidade, uma indústria e um escritório
de advocacia com os quais tivesse
mantido relações profissionais.
O professor da FGV citou também o caso do
advogado Laurence Tribe, um dos que mais
ganhou causas na Suprema Corte. Quando
perguntaram a Tribe por que ganhava tantas
causas, ele explicou que tinha o maior banco
de dados sobre a vida de cada ministro, pessoal,
profissional e política. Essas informações
lhe permitam prever com segurança os votos
de cinco juízes. Então, ele calibrava a arguição
35
para os outros quatro. Com os olhos no cartãopostal
carioca, Falcão disse: “O Sergio Bermudes
tem, com certeza, o principal banco de dados
sobre o Supremo.”
Falcão defendeu que o Judiciário enfrente sem
pejo a questão, polêmica e complexa, da imparcialidade.
Ele acha que deve acabar o “nepotismo
processual”, o baseado nas relações
entre os magistrados e os advogados. “No nepotismo
processual, o prejudicado é a outra
parte, aquela que não tem acesso às informações
que uma relação de amizade e parceria
profissional possibilita.”
…………..
Com o fim do regime militar, Pertence foi nomeado
ministro do Supremo, onde ficou dezoito
anos. Evandro e Eduardo foram trabalhar com
Sergio Bermudes. Quando casos do escritório
chegavam ao tribunal, apesar de nenhuma lei
ou regra obrigá-lo, ele se declarava suspeito e
não os julgava. “Eu, o Nelson Jobim, o Ilmar
Galvão e o Velloso tínhamos essa prática, que
era exercida com discrição”, disse Pertence em
Brasília, no escritório de Sergio Bermudes, onde
ganhava como consultor 50 mil reais por
mês, mais um percentual sobre os casos em
que atuava. Num deles, uma sustentação oral
no Superior Tribunal de Justiça, ganhou 4 milhões
de reais. No começo de agosto, Pertence
abriu em sociedade com os filhos seu próprio
escritório.
Foi com Sepúlveda Pertence que o Supremo
começou a sair do casulo, adquiriu presença
pública e deu passos modernizantes, como a
informatização. Entraram para os anais suas
contendas com outro baluarte da casa, o conservador
Moreira Alves. “Diante desse funk que
vejo hoje, as minhas brigas com o Moreira parecem
minuetos”, disse ele. Sepúlveda aposen36
tou-se do Supremo três meses antes da data
limite, novembro de 2007, quando completaria
70 anos. Como ele defendeu Lula quando era
sindicalista, e é amigo do presidente, correu
nos meios jurídicos que se aposentou antes para
não se posicionar sobre o caso do “mensalão”,
que envolvia o PT.
Mas isso não é verdade. Pertence saiu antes
da data por cansaço e a pedido de Sergio Bermudes,
um dos articuladores da indicação de
Carlos Alberto Menezes Direito para o Supremo.
Se fosse esperar o ministro sair na data
devida, Direito teria feito aniversário (em 8 de
setembro) e atingido a idade proibitiva para a
indicação, 65 anos.
………….
Filhos advogados é um tema delicado no Supremo
e nos outros tribunais superiores. Dos
ministros que já saíram, são mais conhecidos
os casos dos filhos de Nelson Jobim, Sepúlveda
Pertence, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e
Eros Grau. A praxe era pedir suspeição. Da
composição atual, além de Marco Aurélio, há a
filha da ministra Ellen Gracie.
Joaquim Barbosa entende que a suspeição não
é suficiente. “Deveria ser simplesmente proibido
até o parentesco de terceiro grau”, disse-me
ele durante um café numa padaria chique de
Higienópolis, em São Paulo. No caso de esposa,
como Guiomar, que a lei não proíbe, Barbosa
acha que Mendes deveria declarar-se
suspeito.
Barbosa não esconde que detesta Sergio Bermudes
e o casal Mendes. A recíproca é verdadeira.
O advogado o considera “o pior ministro
da história do Supremo”. Bermudes contou, às
gargalhadas, que ouviu de um colega a “expli37
cação verdadeira” para as dores de coluna de
Joaquim Barbosa: “Ele quis virar bípede.” Para
Guiomar Mendes, “o problema desse cabra é
que ele é preguiçoso, preguiçoso de dar dó”.
Mendes endossou o “preguiçoso” e acrescentou
um “despreparado”.
Joaquim Barbosa não deixou por menos. Disse
que Gilmar Mendes é “violento, atrabiliário e
aparelhou o Supremo para seus interesses
monetários e partidários”. Os dois sequer se
cumprimentam. “O mais interessante é que nós
fomos amigos por trinta anos, desde os tempos
da faculdade”, contou Barbosa. Ele visitou
Mendes na Alemanha, e até comprou um carro
dele.
………………..
O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas
depois de eleito presidente, em 10 de março,
foi numa festa do site Consultor Jurídico, o
Conjur. O palanque foi montado no salão principal
do Supremo para comemorar o lançamento
da edição de 2010 do Anuário da Justiça,
publicado pelo site e pela Fundação Armando
Álvares Penteado, a Faap. Mendes, Celso de
Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no
tablado de honra com Peluso. Marco Aurélio
circulou pelo salão, em meio a cerca de 300
pessoas, entre desembargadores, juízes, promotores
e advogados de Brasília, do Rio e de
São Paulo.
…………….
O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista
Márcio Chaer, proprietário também de uma
assessoria de imprensa, a Original 123. As
empresas estão instaladas numa casa de três
andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site
faz uma cobertura intensa e extensa dos eventos
e decisões do Poder Judiciário. Chaer é
38
amigo de Guiomar e Gilmar Mendes. Troca emails
e telefonemas amiúde com o juiz.
A Faap responde a condenações e processos
por crimes contra a ordem tributária e o sistema
financeiro. Alguns desses processos estão no
Supremo. A pessoa jurídica do Conjur, a Dublê
Editorial, também tem processos tramitando no
tribunal. “Não vejo problema nenhum de lançar
o Anuário no Supremo”, disse Mendes. O primeiro
lançamento foi feito em 2007, quando a
presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se
declara suspeita quando recebe processos que
envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha “um
escândalo” que o Anuário seja lançado no Supremo.
Chaer também não vê problemas: “O presidente
da República não visita os jornais? É a
mesma coisa. Além do mais, todo tribunal lança
livros, e até a Suprema Corte tem uma livraria”,
disse, mostrando um volume que comprou lá.
O professor de direito Conrado Hübner Mendes,
doutor em ciência política pela Universidade
de São Paulo e autor do livro Controle de
Constitucionalidade e Democracia, tem outra
opinião: “O Anuário pode até produzir informações
de interesse público, mas não é isso que
está em questão. Uma empresa privada não
deveria ter o privilégio de ter seu produto promovido
dentro do próprio tribunal. A integridade
das instituições depende da separação entre o
público e o privado.”
Em boa parte, os clientes da assessoria Original
123 são escritórios de advocacia. Teriam
contratado a empresa pelo fato de Chaer ser
amigo de Mendes e lançar o Anuário no Supremo?
“De forma alguma, esses escritórios
nem atuam no Supremo”, respondeu. E ligou
em seguida para um funcionário da Original.
“Quantos dos nossos clientes atuam no Su39
premo?”, perguntou. “Praticamente todos”, respondeu
o funcionário. “Mas isso não quer dizer
absolutamente nada”, esclareceu Chaer.
…………..)”
É necessária rigorosa apuração dos fatos narrados
nessa reportagem, envolvendo o Ministro Gilmar Ferreira
Mendes, e em benefício não só de todos os jurisdicionados
mas principalmente dele próprio, a fim não pairem dúvidas
sobre sua atuação no Supremo Tribunal Federal. O foro adequado
para isso, e para aplicar a devida sanção, se verdadeiro
algum fato caracterizador de violação de dever funcional,
é o Senado Federal.
Além da reportagem acima parcialmente transcrita,
outro veículo de comunicação divulgou fato supostamente
ocorrido em setembro de 2010 que, se verdadeiro, também
configura infração de dever funcional.
Revelou a Folha de São Paulo, em edição de
30/09/2010, e que pode ser vista na Internet8 donde extraído
o documento nº 8 a este anexado, que: (grifei)
“Após ligação de Serra, Gilmar Mendes
para sessão sobre documentos
para votar
8 http://www1.folha.uol.com.br/poder/806923-apos-ligacao-de-serra-gilmarmendes-
para-sessao-sobre-documentos-para-votar.shtml
40
“Após receber uma ligação do candidato do
PSDB à Presidência da República, José Serra,
o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes interrompeu o julgamento de um recurso
do PT contra a obrigatoriedade de apresentação
dos dois documentos na hora de votar.
Serra pediu que um assessor telefonasse para
Mendes pouco antes das 14h, depois de participar
de um encontro com representantes de
servidores públicos em São Paulo. A solicitação
foi testemunhada pela Folha.
No fim da tarde, Mendes pediu vista, adiando o
julgamento. Sete ministros já haviam votado
pela exigência de apresentação de apenas um
documento com foto, descartando a necessidade
do título de eleitor.
A obrigatoriedade da apresentação de dois documentos
é apontada por tucanos como um fator
a favor de Serra e contra sua adversária,
Dilma Rousseff (PT).
A petista tem o dobro da intenção de votos de
Serra entre os eleitores com menor nível de
escolaridade.
Após pedir que o assessor ligasse para o ministro,
Serra recebeu um celular das mãos de
um ajudante de ordens. O funcionário o informou
que o ministro do STF estava do outro lado
da linha.
Ao telefone, Serra cumprimentou o interlocutor
como “meu presidente”. Durante a conversa,
caminhou pelo auditório onde ocorria o encontro.
Após desligar, brincou com os jornalistas:
“O que estão xeretando?”
41
Depois, por meio de suas assessorias, Serra e
Mendes negaram a existência da conversa.
Para tucanos, a exigência da apresentação de
dois documentos pode aumentar a abstenção
nas faixas de menor escolaridade.
Temendo o impacto sobre essa fatia do eleitorado,
o PT entrou com a ação pedindo a derrubada
da exigência.
O resultado do julgamento já está praticamente
definido, mas o seu final depende agora de
Mendes.
Se o Supremo não julgar a ação a tempo das
eleições, no próximo domingo, continuará valendo
a exigência.
À Folha, o ministro disse que pretende apresentar
seu voto na sessão de hoje.
…………..”
Evidentemente que ambos negariam, como parece
ter negado, esse telefonema por ser comprometedor, mas a
reportagem informa que de fato houve o pedido de vista, e o
julgamento do caso parou. Difícil crer que a mídia inventasse
tal fato, ante a afirmação posta na notícia que “A solicitação
(de Serra ao assessor para ligar para o Ministro) foi testemunhada
pela Folha”.
No site da Federação Nacional dos Policiais Federais
está um depoimento (documento nº 6) datado de
10/11/2009, do Policial Federal José Ricardo Neves9, com o
9 http://www.fenapef.org.br/fenapef/noticia/index/25156
42
título “Gilmar Mendes – Presidente do Supremo ou supremo
presidente?” assim finalizado: (grifei)
“As muitas denúncias veiculadas através da rede
mundial de computadores, livres da censura velada
que é imposta aos meios de comunicação de massa,
são suficientes para indicar – no mínimo – a quebra
de decoro por parte do comandante maior do
Poder Judiciário brasileiro. Em sendo assim, sua
renúncia, senão seu impeachment mostra-se como
o caminho mais acertado.”
Nesse contundente depoimento, que pode ser lido
por inteiro (documento nº 6), seu autor revela profunda indignação
com fatos graves dos quais certamente teve conhecimento,
possivelmente envolvendo o Sr. Ministro Gilmar Ferreira
Mendes, fatos que, se imputados a juiz de qualquer outro
tribunal, certamente lhe causariam sérios problemas com
a corregedoria, e com a justiça. Bradariam todos, fosse o suposto
envolvido um juiz de 1º grau ou de outro tribunal, “que
os fatos são gravíssimos e precisam ser rigorosamente apurados”.
Sobre o IDP – Instituto de Direito Público, ao qual o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes está supostamente ligado,
diz o referido articulista:
“Agregado a todas essas questões, está o problema
ético. De acordo com revista “Época”, de 22/04/02,
43
Gilmar Mendes, na qualidade de advogado-geral da
União, teria pago cursos para seus subordinados no
Instituto Brasiliense de Direito Público, escola da
qual ele mesmo seria um dos proprietários.
….
Em junho de 2009, a revista “Carta Capital” novamente
noticiou que os negócios do empresário Gilmar
Mendes no IDP iam de vento em popa. De acordo
com a reportagem, após assumir a presidência
do STF, sua escola expandiu o número de contratos
com órgãos públicos, sem licitação.”
Há, pelo que se infere das notícias, sérios indícios
de ser o Ministro Gilmar Ferreira Mendes mais do que simples
sócio cotista do Instituto Brasiliense de Direito Público, o
que se verdadeiro o fato, que precisa ser rigorosamente investigado,
configurará mais uma violação a dever funcional.
Para incrementar a pecha de supostamente suspeito,
amiúde induzida em noticiários, há depoimento público do
jurista Dalmo de Abreu Dallari, Professor Emérito da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, datado de 9
de novembro de 2010, inserido no site “Observatório da Imprensa”
10, onde afirma ter havido empenho e parcialidade do
Ministro Gilmar Ferreira Mendes ao julgar aspecto da chamada
“Lei da Ficha Limpa”, de modo a beneficiar pessoa
com quem tem ligação antiga, e até induzindo a imprensa a
10 http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=615CID001
44
publicar fatos não verdadeiros relacionados à referida lei. O
depoimento é o documento nº 9 que acompanha esta petição,
e tem o seguinte teor: (grifei)
“LEI DA FICHA LIMPA
Escorregões da imprensa e do magistrado
Por Dalmo de Abreu Dallari em 9/11/2010
A defesa dos políticos “fichas-sujas” vem sendo
feita de maneira desastrada, inclusive com a utilização
de afirmações falsas quanto à origem de
disposições da Lei da Ficha Limpa, numa tentativa
de desmoralizar a própria lei, assim como seus
propositores e o Congresso Nacional, que a aprovou.
Um aspecto lamentável, que deve ser assinalado,
é que, além dos interessados diretos na oposição
de obstáculos à aplicação da Lei da Ficha Limpa,
aparece como ostensivo e apaixonado defensor
dos atingidos por essa lei um ministro do Supremo
Tribunal Federal. Esse comportamento do ministro
pode parecer ilógico e contraditório para quem acredita
que os integrantes da Corte Suprema são
padrões de moralidade e defensores intransigentes
dos princípios e normas da Constituição, mas
para quem há várias décadas vem acompanhando
as vicissitudes do Tribunal máximo do país o destempero
do referido ministro é apenas mais uma
comprovação da persistência de antigos vícios e
compromissos.
Um ponto muito importante, que merece especial
referência, é que o empenho exagerado na defesa
de Jader Barbalho (PMDB) acabou revelando que
o voto de um ministro do Supremo Tribunal Federal
pode ter como único fundamento as alegações
da parte interessada. Com efeito, depois de ter induzido
a imprensa a divulgar uma falsidade, ou seja,
a afirmação de que a inelegibilidade em decorrência
de renúncia a mandato para evitar uma pu45
nição havia resultado de emenda introduzida pelo
então deputado José Eduardo Cardozo (PT), como
um “enxerto casuísta” feito com o propósito de excluir
determinado candidato, o ministro em questão,
desmentido pela documentação comprobatória
de que aquela hipótese já constava do projeto
original, tentou justificar-se e acobertar sua
parcialidade. Mas suas explicações acabaram
deixando evidente que ele não analisou a legislação,
tendo-se baseado exclusivamente nas alegações
de Jader Barbalho.
Probidade administrativa e moralidade
De fato, em matéria publicada no dia 30 de outubro
(pág. A22), informa O Estado de S.Paulo que o
ministro havia afirmado ao jornal que a inelegibilidade
por renúncia para evitar a cassação de mandato
não estava no original do projeto. Alertado para
o fato de que o rito da Lei da Ficha Limpa desmentia
o ministro, o jornal pediu-lhe explicações,
recebendo de sua assessoria uma resposta reconhecendo
o erro, mas alegando que o ministro foi
“induzido a erro” por causa do memorial de defesa
de Jader que dizia que “no Congresso Nacional foram
introduzidas outras cláusulas, inclusive a da
alínea K, aqui versada, com endereço bem marcado”.
Aí está um escorregão do ministro, mas também
da imprensa que, por preconceito e parcialidade,
reproduziu acusações sem o cuidado de averiguar
os fatos, o que seria facílimo nesse caso.
Para que se tenha claro o significado da resistência
daquele ministro do Supremo Tribunal à Lei da
Ficha Limpa e de sua defesa veemente dos interesses
de Jader Barbalho, basta recordar alguns
antecedentes. Em 1993, o então governador do
estado do Pará, Jader Barbalho, ingressou em juízo,
por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
pretendendo a anulação da demarcação de
áreas indígenas que haviam sido invadidas por grileiros
ricos do estado do Pará.
46
Em debate público sobre o assunto, realizado no
auditório do jornal Folha de S.Paulo, as pretensões
de Jader Barbalho foram defendidas pelos advogados
Nelson Jobim e Gilmar Mendes. O julgamento
da ação foi feito pelo Supremo Tribunal Federal
em sessão de 17 de dezembro de 1993 e,
em decisão unânime, foi rejeitada a pretensão de
Jader Barbalho.
Não é preciso dizer mais para que se saiba da antiga
ligação de Jobim e Mendes com Jader Barbalho.
O que a cidadania brasileira espera agora é que o
Supremo Tribunal Federal, que já rejeitou, nos casos
Joaquim Roriz e Jader Barbalho, a alegação
de inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa,
mantenha com firmeza essa orientação. Assim se
dará efetividade à exigência expressa do artigo 14,
parágrafo 9º, da Constituição, segundo o qual a lei
deve estabelecer outros casos de inelegibilidade,
além daqueles já indicados no texto constitucional,
“a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para o exercício do mandato, considerada
a vida pregressa do candidato”.
A profusão de notícias, nem sempre favoráveis, levantam
sérias dúvidas, até que sejam devidamente apurados
os fatos em regular processo que só pode correr perante o
Senado Federal, sobre a isenção e independência do Ministro
Gilmar Ferreira Mendes no desempenho de suas funções,
dúvidas que fatalmente ocasionam a perda do necessário
requisito de neutralidade em qualquer decisão judicial que
proferir deve ter e parecer ter.
47
O signatário desta petição, sob os auspícios do regime
democrático da nossa República Federativa, tem a firme
convicção de estar desempenhando seu legítimo dever
de cidadão brasileiro, e espera que o Senado Federal cumpra
a lei com o rigor necessário, sem privilégio algum, aprofundando
as investigações sobre os fatos amplamente divulgados,
com as devidas isenção e acuidade, e ainda face a
contundente afirmação atribuída ao Ministro Joaquim Barbosa,
do Supremo Tribunal Federal, na reportagem da Revista
Piauí, edição nº 48.
Ao determinar essa Augusta Casa a instauração do
devido processo legal para apuração de infração a dispositivo
legal, face os contundentes indícios que constam das citadas
reportagens e matérias, estará mais uma vez cumprindo
sua nobre missão junto ao povo brasileiro, e estará prestigiando
a função da imprensa livre, ao acatar para apuração
oficial os fatos graves que só ela tem condições de revelar,
com o que será confirmada, e até restaurada em alguns casos
a ora combalida confiança que todo cidadão tem de ter
nos Poderes da República, mantendo assim íntegro os pilares
do nosso regime em vigor.
Confia o signatário desta petição que o Senado da
República Federativa do Brasil cumprirá a lei, demonstrando
a todos os brasileiros, e ao mundo, que o Brasil é uma República
sólida e democrática, onde a Constituição e as leis
são efetivamente cumpridas, alcançando tanto o humilde
48
brasileiro do mais distante rincão, quanto o ocupante de elevado
cargo público, todos sem privilégio de qualquer espécie.
Indica as seguintes diligências, sem prejuízo de outras
que se fizerem necessárias, eis que não tem outro meio
para obtenção da prova a que se destinam:
1 – Expedição de ofício à Infraero, requisitando
informações sobre eventuais vôos que decolaram
de Brasília com destino a Buenos Aires-
Argentina, entre os dias 22 e 25 de abril de 2010,
inclusive, informando também quais as aeronaves,
as respectivas propriedades, as operadoras,
e os nomes dos passageiros, da tripulação, do
comandante e do co-piloto;
2 – Após resposta ao ofício acima, e se o nome
do Ministro Gilmar Ferreira Mendes constar como
passageiro em algum dos voos, seja outro expedido
à empresa operadora do respectivo vôo, requisitando
informe o valor do frete e quem o pagou,
enviando comprovante do pagamento;
Indica as seguintes testemunhas, sem prejuízo de
outras serem também ouvidas, as quais deverão depor, sob
compromisso de dizer a verdade:
1 – Deputado Federal Protógenes Pinheiro de
Queiroz – Câmara dos Deputados;
2 – Desembargador Federal Fausto Martin De
Sanctis – TRF da 3ª Região;
49
3 – Jornalista Luiz Maklouf Carvalho – Revista
Piauí;
4 – Jornalista Moacyr Lopes Junior – Folha de
São Paulo;
5 – Jornalista Catia Seabra – Folha de São Paulo;
6 – Jornalista Felipe Seligman – Folha de São
Paulo;
7 – Jornalista Larissa Guimarães – Folha de São
Paulo;
8 – Agente da Polícia Federal José Ricardo Neves
– Departamento de Polícia Federal;
9 – Advogado Dalmo de Abreu Dallari – USP,
São Paulo.
Como informantes indica as seguintes pessoas que
deverão depor sem prestar compromisso, sem prejuízo de
outras indicar, acaso necessário:
1 – Advogada Guiomar Feitosa de Albuquerque
Lima – SHIS, QL 14, Cj. 05, Casa 01, Brasília-DF,
CEP 71640-055;
2 – Advogado Sergio Bermudes – Praça XV de
Novembro, 20 – 7º e 8º, Centro, Rio de Janeiro-
RJ, CEP 20010-010.
Brasília, 10 de maio de 2011
ALBERTO DE OLIVEIRA PIOVESAN