O Preconceito está Enraizado na Cultura dos Brasileiros
Paulo Cabral
Enviado da BBC Brasil a Porto Seguro
O casal de aposentados Osmar e
Maria Ferreira conseguiu realizar um sonho de longa data: pela primeira
vez os dois viajaram em um avião a caminho de uma semana de descanso sob
o sol de Porto Seguro, na Bahia.
As dez parcelas que eles ainda têm
de pagar vão morder todo mês um bom pedaço da renda do pintor aposentado
e dos lucros de Maria – que ainda trabalha em casa como manicure – mas
eles têm a certeza que é dinheiro bem gasto.
“Comida não é a única coisa que
precisamos para viver”, diz Ferreira enquanto relaxa a beira-mar. “Isso é
que é viver! Olha que beleza!”
À medida que a nova classe média
chega a mais lugares e tem acesso a novos serviços, surgem, no entanto,
tensões com a classe média tradicional brasileira, que parece sentir seu
espaço sendo tomado.
Ao longo dos anos, a mistura de história e praias tropicais fez de Porto Seguro um dos principais destinos turísticos do Brasil.
Com a economia crescendo e o
crédito em expansão, a “nova classe média” – ou classe C – tem pela
primeira vez a oportunidade de desfrutar das maravilhas naturais do
Brasil, que há não muito tempo eram privilégio de turistas estrangeiros
ou brasileiros de maior renda.
Números do Instituto Data Popular –
uma empresa de pesquisa de mercado especializada na classe C – mostram
que entre 2002 e 2010 a participação desse grupo na indústria do turismo
saltou de 18% para 34%. Eles já representam quase a metade (48%) das
pessoas que viajam nas companhias aéreas do país.
Para Maria Ferreira, “é triste que exista esse preconceito”.
“Espero que algum dia as pessoas
comecem a compreender uns aos outros pelo que realmente somos. Eu
conheço muitas pessoas ricas que não são felizes”, diz.
‘Resistência à igualdade’
Uma rápida travessia de balsa e a
uma hora de carro ao sul de Porto Seguro fica a vila de Trancoso, bem
mais exclusiva, graças à distância e aos preços mais altos. No entanto,
mais gente está chegando e quem frequenta a região há mais tempo teme a
invasão do turismo de massa.
“As pessoas que estão chegando
agora a Trancoso têm que mostrar mais educação e mais respeito por este
lugar. É um público muito diferente, que começou a vir aqui ao longo dos
últimos anos”, reclama a bombeira reformada Norma Sandes, que há mais
de uma década frequenta a região.
O antropólogo brasileiro Roberto
DaMatta, professor emérito da Universidade de Notre Dame (EUA), diz que o
crescimento evidenciou a “resistência à igualdade” dos brasileiros.
“Nossa fixação por títulos e
hierarquia é parte do nossa herança portuguesa. As pessoas aqui querem
ser vistas como diferentes, como superiores aos outros, e não gostam de
se misturar”, diz ele.
Os turistas que vão para os grandes
resorts em Porto Seguro costumam fazer apenas passeios de um dia em
Trancoso – onde dormir e comer custa bem mais.
“Dá para ver que esse pessoal todo
aqui hoje não é de classe A e B. Tem muita gente de classe C já vindo
para cá,” diz a jornalista Ana Campolino. “Dá para ver pelas roupas,
pelos hábitos, pelo lugares que frequentam.”
Desconforto
Uma pesquisa realizada pelo Data
Popular dá algumas noção do desconforto sentido pelas classes mais
elevadas, que agora tem que compartilhar alguns espaços.
De acordo os números, 48,4% dos
entrevistados disseram que “a qualidade dos serviços piorou, agora que
eles são mais acessíveis” e 49,7% disseram que preferem lugares “com
pessoas de mesmo nível social.”
“Decidimos fazer essa pesquisa
quando começamos a perceber as pessoas reclamando, por exemplo, sobre os
aeroportos, que estão muito mais lotados agora. E nossas pesquisas têm
mostrado que há uma resistência muito forte das classes superiores em
aceitar os recém-chegados”, diz o presidente do Data Popular, Renato
Meirelles.
Meirelles diz que a tensão só será
resolvida quando o Brasil estiver preparado para oferecer esses serviços
com qualidade para todos os seus cidadãos. “Os aeroportos, por exemplo,
estão lotados para todo mundo. Se houvesse bastante espaço para todos
as tensões, começariam a desaparecer.”
Preconceito
Já os turistas de classe mais alta e
empresários do setor negam a existência de qualquer “tensão” entre a
velha e a nova classe média. Um porta-voz do Sindicato da Hotelaria de
Porto Seguro e Região, Paulo Cesar Magalhães, diz que “há espaço para
todos”.
“Naturalmente os turistas vão para
áreas que tenham a ver com seu perfil. Aqui no distrito-sede de Porto
Seguro, onde há mais hotéis e restaurantes, há mais opções para as
pessoas com um orçamento mais baixo. As praias mais distantes são as
melhores opções para quem pode gastar mais dinheiro”, diz ele.
Magalhães diz que, do ponto de
vista das empresas, Porto Seguro não tem nada a reclamar sobre os novos
clientes. “Para muitas pessoas este é um momento mágico, a primeira
oportunidade de viajar pelo Brasil e toda esse deslumbramento acaba
traduzido em gastos na nossa cidade”, diz ele.
Se a economia do Brasil continuar a
crescer a indústria do turismo deve seguir pelo mesmo caminho e com a
nova classe média também viajando cada vez mais.
“Há preconceito, claro. Mas agora eu estou aqui e eles vão ter que me engolir”, diz Osmar Ferreira no meio de uma gargalhada.