por Laurindo Lalo Leal Filho, em Carta Maior
O blogueiro Renato Rovai contou durante o curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado semana passada no Rio, que a Veja andou atrás dele querendo saber como foi feita a articulação para que o presidente Lula concedesse uma entrevista a blogs de diferentes pontos do Brasil. Estão preocupadíssimos.
À essa informação somam-se as matérias dos jornalões e de algumas emissoras de TV sobre a coletiva, sempre distorcidas, tentando ridicularizar entrevistado e entrevistadores.
O SBT chegou a realizar uma edição cuidadosa daquele encontro destacando as questões menos relevantes da conversa para culminar com um encerramento digno de se tornar exemplo de mau jornalismo.
Ao ressaltar o problema da inexistência de leis no Brasil que garantam o direito de resposta, tratado na entrevista, o jornal do SBT fechou a matéria dizendo que qualquer um que se sinta prejudicado pela mídia tem amplos caminhos legais para contestação (em outras palavras). Com o que nem o ministro Ayres Brito, do Supremo, ídolo da grande mídia, concorda.
Jornalões e televisões ficaram nervosos ao perceberem que eles não são mais o único canal existente de contato entre os governantes e a sociedade.
Às conquistas do governo Lula soma-se mais essa, importante e pouco percebida. E é ela que permite entender melhor o apoio inédito dado ao atual governo e, também, a vitória da candidata Dilma Roussef.
Lula, como presidente da República, teve a percepção nítida de que se fosse contar apenas com a mídia tradicional para se dirigir à sociedade estaria perdido. A experiência de muitos anos de contato com esses meios, como líder sindical e depois político, deu a ele a possibilidade de entendê-los com muita clareza.
Essa percepção é que explica o contato pessoal, quase diário, do presidente com públicos das mais diferentes camadas sociais, dispensando intermediários.
Colunistas o criticavam dizendo que ele deveria viajar menos e dar mais expediente no palácio. Mas ele sabia muito bem o que estava fazendo. Se não fizesse dessa forma corria o risco de não chegar ao fim do mandato.
Mas uma coisa era o presidente ter consciência de sua alta capacidade de comunicador e outra, quase heróica, era não ter preguiça de colocá-la em prática a toda hora em qualquer canto do pais e mesmo do mundo.
Confesso que me preocupei com sua saúde em alguns momentos do mandato. Especialmente naquela semana em que ele saía do sul do país, participava de evento no Recife e de lá rumava para a Suíça. Não me surpreendi quando a pressão arterial subiu, afinal não era para menos. Mas foi essa disposição para o trabalho que virou o jogo.
Um trabalho que poderia ter sido mais ameno se houvesse uma mídia menos partidarizada e mais diversificada. Sem ela o presidente foi para o sacrifício.
Pesquisadores nas áreas de história e comunicação já tem um excelente campo de estudos daqui para frente. Comparar, por exemplo, a cobertura jornalística do governo Lula com suas realizações. O descompasso será enorme.
As inúmeras conquistas alcançadas ficariam escondidas se o presidente não fosse às ruas, às praças, às conferências setoriais de nível nacional, aos congressos e reuniões de trabalhadores para contar de viva voz e cara-a-cara o que o seu governo vinha fazendo. A NBR, televisão do governo federal, tem tudo gravado. É um excelente acervo para futuras pesquisas.
Curioso lembrar as várias teses publicadas sobre a sociedade mediatizada, onde se tenta demonstrar como os meios de comunicação estabelecem os limites do espaço público e fazem a intermediação entre governos e sociedade.
Pois não é que o governo Lula rompeu até mesmo com essas teorias. Passou por cima dos meios, transmitiu diretamente suas mensagens e deixou nervosos os empresários da comunicação e os seus fiéis funcionários, abalados com a perda do monopólio da transmissão de mensagens.
Está dada, ao final deste governo, mais uma lição. Governos populares não podem ficar sujeitos ao filtro ideológico da mídia para se relacionarem com a sociedade.
Mas também não pode depender apenas de comunicadores excepcionais como é caso do presidente Lula. Se outros surgirem ótimo. Mas uma sociedade democrática não pode ficar contando com o acaso.
Daí a importância dos blogueiros, dos jornais regionais, das emissoras comunitárias e de uma futura legislação da mídia que garanta espaços para vozes divergentes do pensamento único atual.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).