do blog de Mauro Santayana
O Ministro Marco Aurélio de Mello contestou, em decisão liminar, os
poderes do Conselho Nacional de Justiça, exatamente no último dia de
trabalho normal do STF, antes do recesso de fim de ano. Se o Ministro,
conhecido por suas resoluções inusitadas, escolheu esta véspera de
Natal, terá tido suas razões. Em política – e é de política que se
trata, porque tudo é política – não há coincidências. Há circunstâncias.
Só o ministro sabe quais são as suas, e todas as especulações se fazem
ociosas.
Sua excelência é daqueles magistrados que não se escondem das luzes. É
de seu costume opinar sobre todas as coisas, e nisso não está só no
mais alto tribunal do país. O mundo mudou, estamos na época em que todos
desejam comunicar-se com todos, e a nova Babel se ergue em tijolos de
quilobaites. Houve um tempo em que os juízes só se manifestavam nos
autos. É certo que em todos os tempos e em todos os lugares, o ato de
julgar tem sido difícil. Os juízes não são infalíveis. Nada há de
perfeito no mundo, e por mais isentos queiram ser os magistrados, eles
são feitos do mesmo barro de que se fazem os outros homens. De qualquer
forma, com seus erros, quando os há, e seus acertos, que são mais
importantes, a sociedade precisa de juízes e de tribunais. Deles não
pode prescindir.
O que faz democráticas as sociedades é o sistema de múltiplo controle
de seus membros e de suas instituições. A consciência da vida, de que
só os seres humanos são dotados, reclama regras de convivência e sua
observância, ou seja, as leis. Os homicídios, por exemplo, devem ser
punidos, para impedir que o instinto de répteis, que ainda atua no fundo
do cérebro, prevaleça. Em 2007, segundo dados oficiais, havia 90.000
casos de homicídios não resolvidos, ou seja, sem punição para os seus
autores. Em conseqüência da ineficácia da polícia e da morosidade da
justiça, somos um dos países mais inseguros do mundo. Os que furtam para
comer – e os códigos penais de quase todos os países civilizados
aceitam a condição atenuante – devem ser perdoados, o que não tem
ocorrido aqui. O direito à vida é anterior ao direito à propriedade,
como os princípios éticos reconhecem.
Os julgamentos não são equações matemáticas, em que para tais e quais
fatores só pode haver uma conclusão (embora haja teorias que admitem
mais de uma resposta, ou nenhuma resposta, para alguns problemas). Os
juizes são pessoas que julgam atos pessoais, e julgam com seus próprios
instrumentos intelectuais e éticos. A balança pode ser precisa, mas os
pesos, como sabemos, costumam variar. E chegamos a uma penosa conclusão:
a de que há juízes que cometem atos ilícitos. No passado, era quase
impossível conhecer seus desvios e puni-los, mas nos últimos anos alguns
deles foram denunciados, indiciados, processados e condenados.
Todos sabemos que há conflito entre a Ministra Eliana Calmon,
Corregedora Nacional de Justiça, e alguns membros do Supremo Tribunal
Federal, entre eles o Ministro Marco Aurélio, a propósito do Conselho
Nacional de Justiça. É normal – e até desejável – que os altos
magistrados brasileiros divirjam: na justiça, como em todas as outras
atividades humanas, toda ortodoxia, todos os dogmas – mesmo os tidos
como clássicos em Direito – merecem ser vistos com sábio ceticismo. O
conhecimento – e nele se reúnem os do saber jurídico, o dos fatos em si,
o do peso das circunstâncias – é sempre uma possibilidade, jamais uma
certeza. Todos os juízes, diante dos autos, são acometidos da razão
socrática: sabem que conhecem pouco do que vão julgar. Antes de uma
decisão, os bons juízes refletem muito, apelam para a razão e, aqueles
que nele crêem, suplicam pela ajuda de Deus.
Mas é preciso que haja instituições que zelem pela retidão dos
juízes. Que o juiz se equivoque, por falta de informações completas, ou
por não encontrar a relação do delito com as leis penais, não o faz
passível de reparos ou punição. O que os torna delinqüentes é o dolo.
Para os equívocos existem as instâncias de apelação, mas, para o
comportamento doloso, devem atuar órgãos como o Conselho Nacional de
Justiça. O CNJ é composto por magistrados escolhidos, em sua maioria,
pelos tribunais e, em minoria, pela OAB e pelo Parlamento. Em sua
composição, de 15 membros, todos são profissionais do Direito, com a
exceção de “dois cidadãos”, de notório saber jurídico e reputação
ilibada, conforme o artigo 102-B, da Constituição.
Os juízes, mediante sua associação corporativa, contestam esse poder
do CNJ – e preferem que o órgão não avoque o exame das denúncias, antes
que elas sejam investigadas no âmbito do tribunal em que ocorram.
Trata-se de uma posição corporativa, que não deve prevalecer. É preciso
que haja instituição distanciada das relações pessoais com os acusados,
para que o exame dos atos imputados se faça com a imparcialidade
possível, ainda que sujeita à condição humana dos investigadores e
julgadores.
Se a sociedade for consultada, ela dirá que, sim, que é preciso que
os juízes sejam fiscalizados e investigados e, se for o caso,
processados. Nesse caso, não há dúvida de que a opinião nacional está
com a Ministra Eliana Calmon. Enfim, como advertiam os latinos, corruptio optimi pessima est.