Fonte: Vi o Mundo
Acordo Nuclear do IrãBrazil’s Lula Vaults into Big League of World Diplomacy
Erich Follath e Jens Glüsing
da revista alemã Der Spiegel
Cheio de confiança, o presidente brasileiro Luiz Inácio da Silva está elevando seu país ao status global com crescentes avanços na política internacional. Em sua jogada mais recente, ele convenceu o Irã a concordar com um controverso acordo nuclear. Pode oferecer oportunidades para evitar sanções e guerra?
Ele foi acusado de ser muitas coisas no passado, inclusive comunista, um proletário grosseiro e um bêbado. Mas esses dias passaram. No momento em que o Brasil ascende para se tornar um poder econômico, a reputação dele experimentou um crescimento meteórico. Muitos agora vêem o presidente do Brasil como um herói do hemisfério Sul e um importante contrapeso a Washington, Bruxelas e Beijing. A revista americana Time levou a coisa um passo adiante há duas semanas, quando o nomeou “o líder político mais influente do mundo”, mesmo adiante do presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Em seu país nativo, há muitos que o enxergam como candidato ao prêmio Nobel da paz.
E agora este homem, Luiz Inácio da Silva, 64, apelidado Lula, que passou a infância em uma favela como filho de pais analfabetos, marcou outro ponto. Em encontros em ritmo de maratona, ele negociou um acordo nuclear com a liderança iraniana. Na segunda-feira, apareceu triunfalmente ao lado do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Os três líderes chegaram a um acordo que acreditam tirariam da agenda as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre as possíveis armas nucleares do Irã. O Ocidente, que vinha promovendo o fortalecimento de medidas punitivas internacionais, pareceu pego de surpresa.
Mas o contra-ataque de Washington veio na semana seguinte, abrindo um novo capítulo na crescente disputa nuclear, na qual Beijing, em particular, vinha há muito resistindo a medidas mais duras. A secretária de Estado americana Hillary Clinton anunciou: “Chegamos a um acordo-rascunho em cooperação com a Rússia e a China”. A planejada resolução foi mandada a todos os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, inclusive ao Brasil e Turquia. Os dois países foram eleitos para ocupar por dois anos assentos não-permanentes no conselho de 15 membros, que precisa aceitar a resolução com pelo menos nove votos para que elas entrem em vigor.
Estados Unidos insistem em sanções
Clinton especificamente agradeceu a Lula por seus “sinceros esforços”. Mas sua expressão claramente sugeria que ela entendeu os esforços mais como um empecilho do que qualquer outra coisa. “Estamos continuando a juntar a comunidade internacional em defesa de fortes sanções que em nosso ponto-de-vista vão mandar uma mensagem clara sobre o que esperamos do Irã”, disse Clinton.
Mas não é a solução proposta por Lula a que mais promete? Será fácil assim segurar o Lula Superstar, que tem o apoio da Turquia, integrante da OTAN? Quem quer que tenha seguido a carreira dele vai achar difícil de acreditar. Este homem sempre prevaleceu contra todo tipo de resistência e contra todas as probabilidades.
O pai deixou a família quando Lula era jovem, e a mãe se mudou com oito filhos do Nordeste do Brasil para o sul industrializado, onde ela esperava melhorar as chances da família. Lula não aprendeu a ler e escrever até os 10 anos de idade. Quando criança, ajudou a sustentar a família como engraxate e vendedor de frutas e trabalhando em uma fábrica de tintas. Eventualmente conseguiu ser aprendiz de torneiro mecânico. Quando tinha 25 anos, a esposa Maria e uma criança não-nascida morreram porque a família não podia pagar por serviços de saúde.
Lula se tornou politicamente ativo como jovem, quando se filiou a um sindicato e organizou greves ilegais durante a ditadura militar. Ele foi preso várias vezes nos anos 80. Insatisfeito com a esquerda clássica, fundou seu próprio partido de trabalhadores, que ele gradualmente transformou de um partido marxista em um partido social democrata. Fez três tentativas mal sucedidas de se tornar presidente até que na quarta tentativa ele venceu a eleição presidencial de 2002 por margem significativa. Quando Lula ganhou a eleição, os mais ricos, temendo expropriação, se garantiram mantendo os tanques de seus jatos particulares abastecidos.
O herói dos pobres evitou a revolução
Mas aqueles que esperavam uma revolução no Brasil ficaram surpresos. Depois da posse, Lula levou alguns ministros a uma favela e lançou um programa de larga escala chamado Fome Zero para aliviar as dificuldades dos menos privilegiados. Mas ele não assustou os mercados. Aumentos nos preços das commodities e uma política econômica moderna que enfatizava investimento estrangeiro, educação doméstica e o treinamento de recursos humanos ajudaram Lula a se reeleger em 2006.
O mandato dele expira em dezembro, quando não poderá mais buscar a reeleição. Ele arrumou a casa domesticamente preparando um sucessor em potencial. Mas o presidente autoconfiante evidentemente quer deixar um legado na política externa: ele considera um dever transformar o país, cuja população é de 196 milhões, em um poder mundial com um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Lula reconhece que ajuda manter boas relações com Washington, Londres e Moscou em busca deste objetivo. Mas ele também sabe que relações próximas com a China e a Índia, assim como com o Oriente Médio e países africanos, podem ser ainda mais importantes. Ele se vê como um homem “do sul”, como líder dos pobres e destituídos. E, naturalmente, ele também reconhece as mudanças que estão acontecendo. No ano passado, por exemplo, a República Popular da China ultrapassou pela primeira vez os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil.
Lula é o único chefe de Estado que participou tanto do exclusivo Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suiça, quanto do Fórum Social Mundial, que é crítico da globalização, em Porto Alegre, no Brasil. Ele é um incansável viajante, tendo visitado 25 países na África, muitos na Ásia e quase todos na América Latina — sempre com uma delegação. Ele prega sua crença em um mundo multipolar. E porque Lula é um orador carismático e um sindicalista “autêntico”, multidões em todo o mundo o incentivam como se ele fosse um popstar. Na cúpula do G-20, em Londres, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, aparentemente um fã, disse: “Eu amo esse cara”.
Mas Obama não pode mais ter certeza de que Lula é de fato “seu cara”. Ao se distanciar de Washington, o brasileiro está se tornando mais e mais autoconfiante e, às vezes, até busca confronto.
Crescente autoconfiança
Honduras é um exemplo. Os Estados Unidos, que sempre viram a América Central como seu quintal, ficaram aturdidos quando Lula deu ao presidente deposto Manuel Zelaya refúgio na Embaixada Brasileira em Tegucigalpa no ano passado e exigiu participar da solução do conflito. Ao se negar a reconhecer o novo presidente, Brasília se opôs abertamente a Obama.
As coisas aconteceram rapidamente depois daquilo. Lula viajou para Cuba, onde encontrou Raul e Fidel Castro e pediu o fim imediato do embargo americano. Para prazer dos que o receberam, Lula comparou críticos do regime que sofrem nas prisões de Havana a criminosos comuns. Lula também fez questão de aparecer ao lado do presidente venezuelano Hugo Chávez, que solta fogo contra Washington e tem crescentemente calado a imprensa em seu país. Falando à Spiegel, Lula caracterizou o líder autocrata como “o melhor presidente da Venezuela nos últimos 100 anos”.
E quando recebeu Ahmadinejad em Brasília alguns meses atrás, Lula congratulou o presidente iraniano por sua aparente vitória eleitoral e comparou a oposição iraniana a fãs frustrados do futebol. O Brasil também não permitiria, ele disse, que houvesse interferência em seu “óbvio” programa nuclear pacífico.
Apesar disso, muitos estavam céticos quando Lula foi a Teerã negociar o acordo nuclear com a liderança iraniana, particularmente depois que os iranianos não mostraram nenhuma inclinação para fazer acordo em meses recentes. Numa entrevista de imprensa conjunta com Lula, o presidente russo Dmitry Medvedev disse que as chances de um acordo eram de no máximo 30%. Lula respondeu dizendo: “Acho que são de 99%”. Lá estava de novo o ego pronunciado da estrela política em ascensão. “Ele acha que é um trabalhador milagroso, que pode conseguir o que outros não conseguem”, disse um especialista em América Latina, Michael Shifter.
Vitória ou fracasso?
A esta altura, há apenas provas circunstanciais de que uma verdadeira vitória foi conquistada em Teerã depois de 17 horas de negociação. Também é possível que o encontro foi, como o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung caracterizou, um “fracasso”, apenas uma forma de os iranianos, que no passado muitas vezes usaram subterfúgios, enrolar o mundo de novo.
Autoridades da Agência Internacional de Energia Nuclear em Viena cuidadosamente disseram que qualquer passo na direção de um acordo nuclear é progresso. Os inspetores da agência são responsáveis por verificar as instalações nucleares do mundo em nome da ONU. Eles recentemente encontraram mais e mais sinais da existência de um programa nuclear ilegal do Irã e pediram a Teerã mais cooperação. A avaliação dos especialistas da agência de Viena, cujas linhas de comunicação com Teerã nunca foram rompidas e que nunca disseram nada que não pudessem provar, terá grande peso agora. O fato de que os iranianos só vão tornar o texto do acordo acessível à AIEA em “uma semana” levantou dúvidas.
Os governos ocidentais tem sido céticos e a resolução que Clinton tornou pública na ONU pouco depois do acordo de Teerã aparentemente deixou os israelenses preocupados. Alguns integrantes do governo de Benjamin Netanyahu estão criticando abertamente o acordo como um golpe destinado a aliviar a pressão internacional contra Teerã. O ministro do Comércio Benjamin Ben-Elieser disse que Teerã aparentemente “está tentando passar o mundo para trás outra vez”.
Acordo dá uma saída ao Irã
O instituto americano ISIS, que sempre advogou uma solução negociada e considera que uma “saída militar” para a questão nuclear do Irã impensável, ofereceu uma avaliação inovadora do acordo Lula-Ahmadinejad-Erdogan. Os especialistas nucleares independentes do instituto listaram suas preocupações citando os pontos fracos do texto conhecido até agora.
Os iranianos concordam apenas com a remessa de 1.200 quilos de urânio baixo-enriquecido para a Turquia, pelo qual eles querem em troca combustível para o reator de pesquisas de Teerã. As dimensões do acordo correspondem a um proposta da AIEA de outubro passado, sob o qual três quartos do urânio produzido no Irã seriam retirados do país, tornando a construção de uma bomba impossível. Era visto como uma medida de confiança para abrir espaço para negociações.
No entanto, o atual acordo não considera o fato de que o Irã, depois de ter colocado em funcionamento suas centrífugas em Narantz, aparentemente tem mais de 2.300 quilos de urânio. Em outras palavras, o acordo permitiria ao Irã manter em casa quase metade do material, um ingrediente básico para a bomba nuclear, podendo portanto ter urânio suficiente para atingir a capacidade de produzir armas nucleares.
O acordo também dá ao Irã uma saída-chave: os lideres iranianos teriam o direito de obter de volta o urânio mandado para a Turquia se, em sua opinião, qualquer cláusula do acordo “não fosse mantida”. Mais importante, o acordo não requer que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio. “Nem sonharíamos com isso”, uma autoridade disse. Mas é isso precisamente o que as Nações Unidas pediram de forma inequívoca nas três primeiras rodadas de sanções.
Todas estas objeções não preocupam Lula. Ele demonstra que não pode mais ser ignorado no palco mundial. Na última terça-feira, os amigos do presidente brasileiro saudaram suas tentativas de paz em uma cúpula da União Europeia-America Latina em Madrid. Sua aparição lá teve o objetivo de demonstrar que o “lula” tem vários braços. Ele já provou que pode nadar com os grandes tubarões.
Nos bastidores, Lula Superstar gosta de falar sobre como forçou os diplomatas brasileiros a abandonar a “síndrome do viralata”, seu termo para o profundo complexo de inferioridade sentido por muitos de seus compatriotas brasileiros em relação a estadunidenses e europeus até recentemente.
Foi em 2003, na primeira grande aparição de Lula, na cúpula do G-8 de Evian, na França. Um grupo de pessoas estava sentado no lobby do hotel da conferência, esperando a chegada do presidente George W. Bush dos Estados Unidos. Quando os americanos finalmente entraram no salão, todos se levantaram — exceto Lula, que ordenou a seu ministro das Relações Exteriores que permanecesse sentado. “Não faço parte desta subserviência”, o presidente brasileiro disse. “Além disso, ninguém se levantou quando eu entrei”.