segunda-feira, 24 de maio de 2010

GERALDO ELÍSIO: RAZÕES QUE A RAZÃO DESCONHECE

Geraldo Elísio escreve no "Novojornal". Prêmio Esso Regional de jornalismo, passado e presente embasam as suas análises
Por Geraldo Elísio

“Não se pode pensar bem, amar bem, dormir bem, quando não se jantou bem. -  Virginia Woolf

Gosto de observar o comportamento espontâneo das ruas. Acredito ser mais eficaz do que os resultados oferecidos pelas pesquisas de opinião pública. Principalmente no Brasil, onde pretensões indutivas substituem o caráter científico dos institutos.

E o que a rua tem evidenciado? Uma surda insatisfação, um fastio com tudo o que está ocorrendo. Quando a voz é do povo mesmo, dá para acreditar que ela seja a voz de Deus embora pessoalmente entenda que o Criador deve estar farto com as peripécias dos políticos brasileiros, inclusive os ditos ungidos que falam em seu nome sem autorização para isto.

Há uma desconfiança que gera um mutismo significativo. Assisti a ascensão e queda do ciclo militar pós-64. A saga das Diretas-Já. E o surgimento da Nova República, que nasceu com muitas rugas da sua antecessora. Não sou nenhum dono da verdade, mas a experiência de repórter me legou algumas vivências.

Vamos, como se fora um filme, utilizar um pouco a técnica do flashback. Os tucanos se exasperam com os anúncios do crescimento de Dilma Rousseff. E apostam pesado na hipótese do ex-governador de Minas, Aécio Neves aceitar ser o candidato a vice. Por outro lado é noticiado que o paulista José Serra se aconselha com o “príncipe dos sociólogos”, Fernando Henrique Cardoso.

Vamos por partes. Lógico, se o crescimento de Dilma for real, uma possível aceitação de Aécio Neves para vice de José Serra, obviamente trará melhoras para o paulista. Mas não é garantia de que isto poderá reverter o quadro. A atual greve dos professores lembra muito o movimento ocorrido quando Francelino Pereira dos Santos era governador de Minas e, Paulino Cícero de Vasconcelos, o seu secretário de Educação. Foi quando o delegado de polícia do DOPS, Thacir Omar de Menezes Sia (as esquerdas sempre preferiram grafar o sobrenome dele como CIA) mandou jogar água nas mestras, à revelia de Francelino.

Na ocasião Paulino cometeu a infelicidade de dizer que a greve não tinha rosto. Foi o que bastou para a professora Maria de Lourdes Paraíso visitar todas as redações então existentes em Belo Horizonte se apresentando como “eu sou o rosto da greve”. Fui eu quem a recebi na redação onde trabalhava então.

A isto se alie a insatisfação geral do funcionalismo que ficou 14 anos, ao tempo dos governos tucanos, sem receber aumentos. Quando e quem irá repor tal perda. Creio ser uma tarefa hercúlea. O ex-governador mineiro Hélio Garcia não se cansava de dizer que “o funcionalismo público não elege ninguém, mas derrota”. Se isto for somado com a insatisfação existente no meio do funcionalismo paulista as perspectivas não são animadoras.

E Fernando Henrique Cardoso, que entre outras coisas doou o patrimônio nacional ao estrangeiro e inventou o infame fator previdenciário, cada vez que abre a boca para apoiar José Serra lhe retira mais votos. Hoje o povo tem plena consciência do que isto significa para os aposentados que perdem condições de vida e para os jovens, que no momento enfrentam um desemprego e falta de perspectivas brutais, e no futuro terão de enfrentar o que hoje enfrentam os aposentados, se é que algum dia poderão se aposentar. A síndrome do “nós somos vocês amanhã”.

Por outro lado a euforia dos “companheiros” não parece condizer com uma “vos rouca das ruas”, ainda não audível e que – não estou dizendo que acontecerá – mais diante de um eventual agravamento da crise econômica – se vier a se concretizar não me assustará. Quem foi que disse que não existe o “Sobrenatural de Almeida” enunciado por Nelson Rodrigues? E por que não pode existir o “Imponderável de Souza”?

A mesma crise já levou Paris de novos a viver em chamas, principalmente multidões de jovens queimando o que viam pela frente. E Paris tem o dom de contaminar o mundo. Não dá para esquecer os movimentos de 68, quando o exército francês de Charles De Gaulle teve de sair às ruas para conter os estudantes liderados por Daniel Cohn Bendit, o “Rouge”.

Hoje não são os estudantes movidos por uma ideologia que se escoou pelo ralo. São os pobres de Paris, os negros, os imigrantes, deserdados da sorte e da incúria dos homens, tanto em suas terras quanto nos países que pilharam as suas nações de origem, onde foram buscar sobrevivência. A lógica é simples. Imagine prezado internauta, se na rua onde você mora todos estiverem passando fome, sem um grão sequer de arroz para se alimentar e de repente este populacho souber que em sua casa está estocada toda a comida do mundo. O que é de esperar que possa acontecer? Por azar do capitalismo não se tem nem mesmo em quem jogar a culpa. É ele próprio frente a frente com as suas contradições.

Todos devem temer e muito aqueles que dispõem de toda a razão ou então os que nada têm a perder. Além de dar razão a tantos o mundo neoliberal está conferindo a milhões a perspectiva de nada ter a perder. Ninguém tem a obrigação de ser reflexivo, mas parar e pensar um pouco não custa nada. Afinal é preferível perder os anéis do que os dedos. E se não houver pão, não aconselhe ninguém a comer brioches.

Este espaço é permanentemente aberto ao democrático direito de resposta a todas as pessoas e instituições aqui citadas.

geraldo.elisio@novojornal.com