terça-feira, 18 de maio de 2010

Fátima Oliveira: QI emocional e os mil leitos da Santa Casa

QI emocional & coisas e loisas de biscuit, de papel machê…

FÁTIMA OLIVEIRA

Médica – fatimaoliveira@ig.com.br

“Há um tempo pra tudo.” Aprendi, aos trancos e barrancos, nas estradas da vida, que há. Sem fatalismos. E saber ler nas entrelinhas, que é um aprendizado custoso, que há coisas que acontecem que independem de nós, favorecem conforto mental, que é uma coisa que aprendi a prezar. Eu não ligava muito pra isso, mas adquiri a sabedoria de me importar, pois, se eu não zelar por ele, não restará mais ninguém no mundo que possa fazê-lo por mim.

“Que diacho é isso de conforto mental?”, foi o que indagou uma amiga, certo dia, quando eu filosofava sobre o assunto. “Na intimidade, você é de uma zenzice que assusta. Não parece, com toda essa energia com que faz tudo, mas seu estilo é zen”. Disse-lhe que, a rigor, não sei muito bem, mas é um conceito que fui construindo ao longo da vida para sobreviver com dignidade. Uma espécie de fortaleza e de oásis. Um lugarzinho onde mato a minha sede. “E refrigera a alma? Será? Mas você não acredita em alma… Paz espiritual também não é porque quem não crê em alma também não acredita em espírito… Nem no inferno. No inferno, talvez, pois, como disse Sartre, ‘O inferno são os outros’”. Era pra rir.

Enveredamos pela inteligência emocional, coisa quase indefinível e multifacética, muito em moda. E tricotamos até ela soltar: “Taí! O que explica Lula é a sua extraordinária inteligência emocional? Ele possui algo que o torna tão especial e carismático. E é isso que os quatrocentões e os de cultura quatrocentona não suportam! E alguém já testou a inteligência emocional do Serra? Da Dilma? E da Marina? QI emocional é da maior importância na escolha presidencial porque meu votinho não vai engalanar burrice emocional de jeito maneira… Imagina o que será de nós com esse Brasilzão de meu Deus tocado por asnice emocional…”.

“Viemos jogar conversa fora ou falar do de sempre: política, doença, doentes, prontos-socorros entupidos e gente saindo pelo ladrão? Temos de falar disso o tempo todo? Passa!” Concordou. Mas, antes, queria entender por que insisto em dizer que a arrogância da classe média vira bolha de sabão quando chega ao SUS e não há leito. Agora, indaga pelos mil leitos da Santa Casa. “Disseram que tenho de vir aqui pra pegar uma vaga na Santa Casa”. Uma paranoia que ocorre porque, pro azar do povo, a Santa Casa não tem mais entrada de urgência. E faz tempo. E faz falta. E é um absurdo.

“A prefeitura de Beagá fez uma propaganda pesada dizendo que ‘disponibilizou’ novos mil leitos – milzinho mesmo – e as Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) e os pronto-socorros continuam superlotados… Novos mil leitos só de enfeite?” Perplexa, retruquei: “Acreditou? Errou de santa! Você e toda a Grande Beagá. O ‘Santa Casa 1000 Leitos SUS’ é a conta-gotas. Nada de novos mil leitos. Ela já possuía 757; serão ativados 343 para totalizar mil: cem em 2009; mais cem em 2010; e o restante em 2011! Vai demoraaaar…”.

Foi então que, numa tarde amena de outono, cunhamos a terminologia de “mil leitos de biscuit” (ou de papel machê?), algo assim como mil leitos decorativos, que gente não pode usar, pois se desmancham no ar… “Faz sentido! São objetos de decoração…”.

E, já sem conforto mental, cá com meus botões murmurei: “Até lá a prefeitura talvez tenha resolvido, sem parábolas, essa equação político-administrativa, pois de fato o número que ficou na cabeça do povo não bate com a realidade. Deve haver uma explicação razoável, fora dos limites do marketing, para tamanha confusão”.

Publicado em: 18/05/2010
FONTE: www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11696